Estás a andar de carro numa auto-estrada. Se fixares o olhar em pontos próximos de ti, enjoas. Evitar enjoar requer sujeitar o olhar a movimentos lentos e, por isso, fixas o olhar no que está longe. Uma outra vantagem de olhar para o que está longe, e lento ao teu olhar, é o tempo que tens para dedicar a contemplar cada detalhe. Desde 1950 que estamos em Grande Aceleração e a velocidade digital parece imprimir um ritmo alucinante às nossas vidas que deixam de ter espaço e tempo para respirar. Precisamos do que é lento.
Ser lento tem gerado um movimento curioso a vários níveis. Há quem explore o exercício físico lento, a alimentação lenta, as conversas lentas, aprender lentamente, tudo parte de um movimento que também já chegou a Portugal. Talvez o seu promotor mais conhecido seja o jornalista canadiano Carl Honoré através do seu livro ”In Praise of Slowness” (Em Louvor da Lentidão). Apesar desta ideia do lento poder ter várias facetas de espiritualidade, neste momento, creio que o seu valor esteja no efeito biológico e mental que tem sobre nós.
A aceleração exige uma intensa concentração que esgota muitos dos nossos recursos cognitivos, e depois sobra pouca paciência para lidar com os aspectos essenciais da vida como a família e as coisas profundas. Quando aceleramos, os níveis de stress aumentam, e a força motivadora para fazer seja o que for esgota-se. Sentimo-nos menos bem humorados e apetece-nos o quê? Parar. Por isso, se não pararmos de vez em quando, corremos o risco de parar de vez. Mas o mundo continua a exigir que nos movamos e o tempo não pára.
Quem estrutura o seu modo de ser e estar no lento, acaba por se manter em movimento. É semelhante à tartaruga que pouco a pouco, mas com resiliência e tenacidade, chega ao seu destino, e antes do coelho. Daí que desacelerar seja dar uma oportunidade para avaliar mais frequentemente as nossas escolhas e fazer os ajustes necessários para não sacrificarmos o profundo com o superficial.
Se a estrada está livre, tenho a tendência para acelerar, mas quando abraço o tempo certo para fazer seja o que for, sinto a necessidade de guiar mais lentamente, e o resultado é a paz experimentada ao contemplar o caminho. O caminho que sempre fizemos contém muitos detalhes por explorar. Só a marcha lenta, desacelerada, permite notar em coisas novas e saborear a realidade do momento presente.
Por vezes, até nos relacionamentos nos apressamos, e o resultado é a sensação de que nada mais podemos tirar desse relacionamento. Daí que alguns tenham dificuldade em manter aqueles relacionamentos destinados a ser para sempre. Procuram no relacionamento seguinte o que parece ter faltado no anterior. Viver o relacionamento lento permite dar a possibilidade ao outro de se expressar no seu ritmo. Pois, os que duram podem não andar ao mesmo ritmo, mas dão o tempo necessário para acertar o passo.
Ouvi como atribuído a Bernard Shaw que se demorou milhares de milhões de anos para que Deus criasse o homem, por que razão demorou tanto tempo a produzir tão pouco. Mais uma vez, a pressa de acharmos ser tudo o que há para ser como humanos. Também Deus é lento para saborear cada momento da criação e, na lentidão, aguardar que sejamos mais do que pensamos agora ser.
Mas não é a lentidão sinal daquele que não quer saber das coisas, do desinteressado, do idoso que perdeu os reflexos, ou do que tem um problema mental e por isso faz tudo com lentidão porque não dá para mais? Mas aquele que perdeu a capacidade de desacelerar, não poderá perder o controlo do volante e sofrer mais do que imagina?
Talvez tenha chegado o momento de aprender que o lento dos limites que vemos nos outros pode ser uma fonte de inspiração para criarmos os nossos próprios limites. Sim, há limites que nos ensinam a ir para além de nós mesmos e nos revelam como podemos melhorar sempre. O segredo de uma vida profunda e plena está em não recusar o que é difícil, nem que seja o que um estilo de vida mais lento nos impele a escolher.
Diz Carl Honoré que «o grande benefício de desacelerar está em reclamar o tempo e a tranquilidade de fazer ligações significativas — com as pessoas, a cultura, com o trabalho, a natureza, com os nossos corpos e as mentes.»
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