Tempo Infinito

Crónicas 3 novembro 2022  •  Tempo de Leitura: 6

No tempo sentido pelo corpo e com as mudanças que existem à nossa volta, experimentamos o passado, o presente e o futuro. O passado através da história, o presente a cada segundo que passa, e o futuro como uma expectativa de que seja melhor do que o passado. Será o tempo infinito a eternidade? E se na eternidade houvesse passado, presente e futuro?

Os gregos tinham uma forma diferente de entender o tempo. Consideravam ser uma Irmandade de três. O Chronos como o irmão-tempo sequencial. O Kairos como o irmão-tempo certo. E o Aion como o irmão-tempo cíclico e … eterno, infinito. De certa forma, o modo como no ocidente vivemos o tempo e — por assim dizer — “impusemos” o modo de experimentar o tempo a outras partes do mundo, reduziu-se ao longo dos anos em tempo cronológico, sequencial, passado, presente e futuro.

Somente o presente contém um pouco do sabor do Kairos, o tempo certo, sendo aquele que realmente temos. O tempo criado pelos eventos, que perdura, tempo para fazer memória, tempo de ser e tornar-se. E o tempo infinito do Aion parece distante e separado dos outros, pelo que soa estranho pensar haver um pouco de Chronos e Kairos dentro do Aion. Porém, quais as implicações de passado, presente e futuro (Chronos), e dos momentos certos (Kairos) fazerem parte da eternidade?

Se o Chronos e o Kairos fizessem parte da eternidade significaria que existe históriano tempo infinito porque compreendemos todos os infinitos fios condutores que ligam os eventos passados aos presentes e que se abrem a infinitas possibilidades futuras. A história no tempo presente é o esforço que agora fazemos para compreender o passado de modo a perspectivar um futuro melhor. Por isso, no tempo finito não compreendemos o que liga passado, presente e futuro e daí o esforço da história. No tempo infinito compreendemos tudo e essa é uma grande diferença.
O tempo é, e será sempre, um construto humano que nasce da consciência das coisas mudarem. Se nada mudasse, não teríamos qualquer noção de tempo. E só quem muda pode notar que as coisas mudam. Por isso, o tempo é uma experiência profundamente relacional e transformativa. E no tempo infinito, a história presente na eternidade significa que o tecido de relações entre tudo e todos faz sentido. Não seria bom experimentar na temporalidade um pouco da compreensão presente no tempo infinito? Talvez se déssemos espaço a que o tempo infinito pudesse entrar no nosso tempo finito. Mas como?
No seu livro (não traduzido) “Em louvor de desperdiçar tempo”, o físico Alan Lightman diz a um dado momento que — «não temos andado a prestar atenção. (E como poderíamos, com todas as distracções?) Nós deixámo-nos empurrar pela onda tecnológica e de prosperidade sem procurarmos ver para onde estamos a ir. Pouco a pouco, o nosso mundo tem-se transformado. Pouco a pouco, temos perdido os silêncios, o tempo necessário para a contemplação, os espaços abertos na nossa mente, as privacidade que uma vez tivemos.» — O que me levou a pensar se a forma de dar lugar ao tempo infinito não seja perder o tempo finito. Perder tempo a aprender a perder tempo.

O mundo oferece a ideia de “não termos tempo a perder” porque queremos fazer muitas coisas no tempo que temos e daí todas as Apps que pretendem ajudar-nos não perder tempo, mas já pensaram como a nossa atenção é consumida por essas Apps? A perda de tempo finito para deixar o tempo infinito entrar passa por parar. E porquê?

David Kundtz no seu livro “Parar” define esta palavra como nada fazer para despertar e recordar quem somos. Se não paramos, é com se nos movêssemos pela vida sem a experimentar realmente. O conhecido autor do “Caminho menos percorrido” M. Scott Peck partilhou uma vez que — «tenho uma vida cheia e muito ocupada, ocasionalmente, perguntam-me, “Scotty, como consegues fazer tudo o que fazes?” A resposta mais clara que posso dar é, “Porque gasto pelo menos duas horas por dia a não fazer nada.”» — O que há para fazer na Eternidade? 
Perder tempo finito a nada fazer permite-nos pensar naquilo que é mais significativo e valioso para nós. Mas também perder tempo com os relacionamentos com os outros é, também, uma forma de nada fazer senão estar (presente) e cultivar o interesse pelo outro desinteressado da utilidade que isso possa ter. Nem sempre é fácil pelos ritmos da vida e pela necessidade de os sincronizar com os ritmos dos outros, mas, como diz a escritora Ursula LeGuin, — «é bom ter um fim na direcção do qual possamos viajar, mas no fim é a viagem que importa.» — uma viagem em direcção ao tempo infinito.

 

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