30 segundos

Crónicas 11 fevereiro 2023  •  Tempo de Leitura: 5
 

Era um de tantos dias normais, daqueles dias que saímos do trabalho, arregaçamos as mangas para enfrentarmos o duro trânsito da cidade, com um brilhozinho especial nos olhos de quem vê o dia de trabalho finalmente terminado. Esta normalidade inquietante, porém, deixou de o ser...

 

Quando estamos parados no semáforo, temos tendência a vaguear um pouco com o olhar, procurando não sabemos quem, qualquer coisa para nos afastar da realidade do pára- arranca... Nesta busca, dei por mim a observar um senhor de nome incerto, que estava a atravessar na passadeira. Aparentava ter uns 50 anos, cara dura, gasta pelos anos, roupas simples e pesadas que contrastavam com um céu limpo e quente. O seu caminhar não era ligeiro, era lento e curvado, parecia procurar algo no chão pois a sua cabeça estava virada para o piso negro da estrada. Debaixo do braço levava um pedaço de cartão e na mão um copo de plástico branco. O tempo parou!

 

Quando chegou junto à parede, trocamos o primeiro olhar... Ele não viu os meus olhos, escondidos pelos óculos de sol, mas eu vi os dele, fitando-me. Talvez fosse o meu ar descontraído com o braço apoiado sobre a porta, talvez porque sentiu que eu o observava, talvez porque estava á procura de alguém e sentiu que no fundo eu próprio também o procurava... olhando-me, encolheu os ombros... O que significa este gesto feito para mim? - pensei. Perante tal gesto, levantou-se uma grande tempestade na minha cabeça, as questões saltavam-me do pensamento como a espuma que o mar faz quando beija as rochas. Quem seria aquele homem? Qual o seu nome? Porque não tinha casa? Porque pedia esmola? Porque encolheu os ombros? Seria resignação? Seria um mea culpa? Seria o quê? Eu não lhe perguntei, não fui capaz de esboçar qualquer gesto de conforto. Nada, eu não fiz nada!.... Respondi-lhe com um impercetível franzir de olhos. Tão pouco para tão grande gesto, aquele gesto que parecia contar a sua vida, um gesto que procurava exprimir um estado de alma, uma angústia, uma esperança... O que seria? Sentou- se com alguma dificuldade e finalmente denunciou aquilo que o trazia ali: Sou sem abrigo! Esmola para comer. Era o que dizia o cartão...

 

Então, os meus olhos comunicaram ao cérebro o que tinha acabado de ler, o meu cérebro estimulou todo o corpo que se arrepiou, contraindo todos os músculos no sentido do coração. O coração apertou... A onda de compaixão chegou rapidamente ao cérebro. Os membros superiores e inferiores, articulados com uma coluna flexível, levaram as minhas mãos a procurar alguma moeda no meu bolso... Encontrei duas! Perdi-o de vista... Um carro parou do meu lado esquerdo, tapando-me o contacto visual e eu ali com o braço de fora com as duas moedas na mão. Para que será a esmola? Será mesmo para comer ou será para beber? Percorri na mente a sua figura, a sua silhueta, os traços do rosto para me facilitar a avaliação. O egoísmo falou mais alto e decidi dar-lhe somente uma moeda.

 

Voltei a estabelecer contacto visual, fiz-lhe um gesto com a mão demonstrando que queria lhe dar uma moeda... Já sentado, não fez qualquer esforço para se levantar, apenas deu- me indicações para lhe atirar o que quer que fosse sair da minha mão... Um outro carro impaciente, tocou a buzina! Arranquei e atirei a moeda. Seguiu com o olhar o percurso da moeda, a curiosidade de saber o seu valor assim o obrigou, e já em andamento, olhei pelo espelho retrovisor a observá-lo. Ainda demorou um pouco de tempo a levantar-se, quase semelhante ao tempo que demorou a sentar-se. Perdi-o de vista...

 

O tempo começou novamente a contar e tinham passado apenas 30 segundos! No trajeto, até casa, não consegui esquecer todos estes momentos, estes segundos em que senti que aquele encontro tinha sido especial, único. Certamente, nunca mais irei encontrar esta personagem, mas queria. Queria porque não lhe falei, porque não fiz tudo o que estava ao meu alcance para lhe dar mais de mim do que somente uma moeda. Será que eu fiquei no seu pensamento? Não sei mas também não importa pois para ele eu fui mais um caridoso a dar-lhe qualquer coisa para o fim que ele desejar.

 

Decidi dar-lhe um nome: Jesus! O encontro com Jesus, fez com que o amasse, que o desejasse voltar a encontrar, que ainda o tenha no pensamento imaginando quando ele poderá voltar a ter casa, quando lhe aparecerá novamente outro igual a mim, que lhe dê alguma atenção, que lhe dê aquilo que ele mais precise mas que lhe dê sobretudo palavras de conforto! É assim que ficamos quando encontramos Jesus! E a nossa vida, realmente, fica diferente!

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Copi

Cronista

Rui, para os amigos é Copi. Leigo Missionário da Consolata. Teve o privilégio de ter vivido uma experiência missionária de 3 anos com a esposa, em plena selva amazónica, na fronteira entre a Colômbia e o Peru! Pai de 2 filhos, feliz! Tudo o que escreve nasce da simples e profunda experiência de Deus e sente-se impelido a partilhar o seu testemunho contigo!

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