João, o Senhor faz graça
A solenidade da Natividade de São João Batista prevalece sobre o lecionário dominical. No início do verão [europeu], celebra-se essa grande festa, uma recorrência antiga, já atestada por Santo Agostinho na África. Ao lado de Maria, a mãe do Senhor, João Batista é o único santo do qual a Igreja celebra não apenas o dia da morte, o dies natalis para a vida eterna, mas também o dies natalis neste mundo: de fato, João é a única testemunha da qual o Novo Testamento recorda o nascimento, tão entrelaçada com a de Jesus.
E é justamente essa intersecção de fatos que levou à escolha da data de 24 de junho para celebrar a sua memória: se a Igreja recorda o nascimento de Jesus no dia 25 de dezembro, não pode deixar de recordar a de João no dia 24 de junho, já que ela ocorreu, como testemunha o Evangelho segundo Lucas, seis meses antes.
O paralelismo dessas datas contém também uma simbologia, pelo menos na bacia do Mediterrâneo, que foi o cadinho da fé judaico-cristã: se o dia 25 de dezembro, solstício de inverno, é a festa do sol vencedor, que começa a aumentar a sua declinação sobre a terra, o dia 24 de junho, solstício de verão, é o dia em que o sol começa a cair em declinação, tal como aconteceu na relação do Batista com Jesus, de acordo com as palavras do próprio João: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3, 30).
João é a luz que decresce diante da luz vitoriosa; é a lâmpada preparada para o Messias (cf. Sl 132, 17 e Jo 5, 35); é o seu precursor no nascimento, na missão e na morte; é o mestre de Jesus, seu discípulo que o segue; é o amigo de Jesus, o Noivo que vem, como diz justamente o quarto evangelho (cf. Jo 3, 29).
Poderíamos até dizer que o evangelho é a história sincrônica de dois profetas, João e Jesus, com a sua profundíssima singularidade, o seu chamado específico, mas também com a sua substancial unanimidade na busca dos desígnios de Deus, com a mesma determinação a serviço do Reino.
Sim, infelizmente, hoje, a figura do Batista não tem mais o lugar que merece na memória e na consciência dos cristãos: depois do primeiro milênio e da metade do segundo – em que João Batista e Maria juntos representaram a ligação entre antiga e nova aliança e juntos, como intercessores, estavam ao lado d’Aquele que vem, o Senhor glorioso, na liturgia como na iconografia – o crescimento do culto de muitos santos que se tornaram mais populares ultrapassou o Batista, acabando por obscurecê-lo, iniciando um desvio arriscado para o equilíbrio da consciência cristológica.
Se a Igreja, ainda hoje, celebra como solenidade o nascimento do Batista é porque permanece consciente da centralidade reveladora dessa figura: nos sinóticos, a boa notícia do anúncio do Reino sempre se abre com João, assim como o evangelho da infância de Jesus segundo Lucas se abre com o anúncio do anjo a Zacarias (cf. Lc 1, 25-25) e com o relato do nascimento prodigioso de João.
Meditemos, portanto, sobre o primeiro capítulo do Evangelho segundo Lucas. O anjo do Senhor se apresentara ao sacerdote Zacarias enquanto este, no templo, celebrava a oferta do incenso, e havia lhe revelado o nascimento de um filho como resposta à oração dele e de sua esposa, Isabel.
Zacarias, de fato, era velho, e sua esposa, estéril. Durante toda a vida, haviam esperado um filho e o invocaram com fé, mas agora haviam chegado a uma velhice sem futuro. Esse anjo, Gabriel, o mensageiro da libertação de Israel (cf. Dn 8, 15-27; 9, 20-27) e da hora messiânica, revela a Zacarias o cumprimento de toda a espera de Israel: o nascituro, repleto do Espírito Santo, caminhará diante do Senhor que vem e preparará o povo dos fiéis para acolher a sua vinda.
Zacarias, homem justo e irrepreensível diante do Senhor, porém, fica perturbado e cheio de temor. Então, pergunta ao anjo como isso será possível, dada a sua velhice e a esterilidade da esposa: ele, portanto, permanece incrédulo, de acordo com o relato evangélico e não consegue mais falar.
“Acreditei, por isso falei”, diz o salmo (115 [116] LXX, 10), porque a palavra humana dirigida a Deus sempre deve brotar da fé. Por isso, Zacarias não pode abençoar a assembleia em oração no templo, e essa bênção permanecerá interrompida até que Jesus ressuscitado a der à sua comunidade, subindo ao céu (cf. Lc 24, 50-51).
Mas eis que os dias de gravidez de Isabel se completam, e a estéril dá à luz um filho, despertando alegria em todos os seus parentes e conhecidos, porque esse filho parece um sinal irrefutável da misericórdia de Deus. O pai Zacarias, porém, ainda está na condição de não eloquência, então a mãe, com grande audácia e contra todo o costume daquele tempo, impõe ao filho da graça o nome de Jochanan, que significa justamente “o Senhor faz graça” [o Senhor é gracioso]. A esterilidade se tornou fecundidade, a humilhação se transformou em bravura, a espera cheia de fé vê o cumprimento por parte de Deus daquilo que era impossível para os humanos.
Zacarias e Isabel eram dos ‘anawim, aqueles pobres curvados pela vida que esperam somente no Senhor, mas agora, justamente, são eles o instrumento, testemunhas da ação de salvação que Deus realiza em favor de todo o Israel.
Não pode passar despercebida a força de Isabel, que, contra a contestação dos parentes, dá ao filho o nome designado pelo anjo Gabriel para indicar a missão confiada por Deus ao nascituro. Se o nome Isabel significa “Deus prometeu”, com a graça manifestada no nascimento de João, a promessa se cumpriu. E agora que a mãe impôs o nome ao menino, derrete-se a língua de seu pai Zacarias, que pronuncia o famoso Benedictus, um salmo de bênção ao Deus de Israel que visitou e redimiu o seu povo (cf. Lc 1, 67-79).
Esse nascimento prodigioso testemunha que João é um homem que somente Deus podia dar a Israel: dom da misericórdia de Deus, resposta àqueles que, na pobreza, na humildade e na fé, haviam esperado com perseverança, durante séculos, a vinda do Messias, do Salvador enviado por Deus.
Os tempos da nova aliança já estão inaugurados, o precursor do Messias está presente e o precede. Mais, ele o reconhece no primeiro encontro, como ocorre na visita que Maria, grávida de Jesus, faz a Isabel, grávida de João (cf. Lc 1, 39-45). O Batista, portanto, nasce em uma família de judeus crentes, mas a sua vocação vai lhe pedir para deixá-la desde a adolescência, para ir ao deserto até o dia da sua manifestação a Israel. João se prepara para a missão porque, desde a concepção, a “mão de Deus” está com ele.
Toda a sua história se cruza com a de Jesus, e os eventos da sua vida narrados no evangelho não são apenas prefigurações daqueles que acontecerão com Jesus, mas também são sincrônicos, contemporâneos, até se sobreporem e se confundirem uns com os outros: João e Jesus viveram juntos!
E mesmo quando João for morto violentamente, a sua vida e a sua missão aparecerão em plenitude na de Jesus. Certamente, não é por acaso que o evangelho registra a opinião do rei Herodes sobre Jesus: “É João Batista ressuscitado dentre os mortos” (cf. Mc 6, 16), nem que os discípulos relatam a Jesus o julgamento de alguns contemporâneos que diziam dele: “É João Batista” (cf. Mc 8, 28 e par.).
Quando João morrer, ele antecipará a morte de Jesus e a prefigurará como paixão do profeta perseguido e morto na própria pátria. Mas, assim como na sua morte Jesus também morre, do mesmo modo na ressurreição de Jesus também João Batista ressuscita.
[©Enzo Bianchi]