Como viveremos juntos, por Tolentino Mendonça
“Como viveremos juntos?”, é a pergunta que a Bienal de Arquitetura de Veneza, apenas inaugurada, se faz. O curador desta edição, o arquiteto e investigador Hashim Sarkis, nascido no Líbano e atualmente na condução da Escola de Arquitetura do MIT, explica que cada geração se vê impelida ao confronto com esta pergunta. Somos, por isso, chamados a repeti-la para nós próprios, como o fizeram os babilónicos ou Aristóteles na Antiguidade, e como o fizeram antes de nós todos os modernos. Mas há hoje um fator acrescido e que nos distingue das precedentes gerações: o consenso de que não existe uma resposta única para essa questão. Também por isso, precisamos ainda mais uns dos outros. A diversidade das respostas sublinha que não existe futuro sem convivência. Temos assim de imaginar espaços “nos quais possamos viver generosamente juntos”. Juntos como seres humanos e como planeta, numa dramática época histórica que nos mostra quanto a nossa sobrevivência depende de uma concertação que potencie uma ação global.
Cinco pessoas entram num quarto e descobrem que existem só quatro cadeiras. O Que fazer?
Quando recentemente pediram ao curador de Veneza que descrevesse em três palavras o espírito desta Bienal, ele escolheu as seguintes: nivelamento, ponte e enquadramento. “Nivelamento” no sentido de criação de continuidades, tanto espaciais como morais, que nos permitam reconhecermo-nos juntos. Nivelamento como sinónimo de equidade, num mundo onde grassam desigualdades devastadoras e o conformismo face às assimetrias corrói o sistema democrático. Nivelamento como capacidade de integração em vez das disseminadas práticas de descarte, indiferença e guetização. A segunda palavra é “ponte” e oferece uma tradução plástica da necessidade premente de conexão humana no plano da história. A ponte ultrapassa o isolamento das partes, desfaz a hierarquização entre centro e periferia, desativa a lógica do dentro e do fora, instaura um fluxo não-unívoco, valoriza a complementaridade e o encontro. A ponte permite uma auscultação transfronteiriça e enriquece dessa maneira a ponderação da realidade. Neste campo, Hashim Sarkis defende que precisamos de desenvolver modelos que sejam corajosamente colaborativos. Na sua opinião, por exemplo, a arquitetura do futuro “deverá escutar a voz do arquiteto, mas também a do agricultor, do assistente social, das crianças, das minorias invisíveis ou dos refugiados para criar estruturas capazes de reunir todas as experiências de modo atento e original”. A última palavra é “enquadramento”. E também aqui se trata de perspetivar e definir espaços sempre mais abertos às novas possibilidades de habitação. A imprevisibilidade que a pandemia fez deflagrar obriga-nos a interrogar as formas de habitação vigentes muito baseadas num mono-uso que vem declarado logo pelas fachadas. “A pandemia obrigou-nos a associar e a alterar funções: uma casa agora é casa, mas também lugar de trabalho e escola; um parque de estacionamento é também restaurante e ambulatório, enquanto que os escritórios que se esvaziaram estão à procura de outras destinações.”
A proposta da Bienal é a de que nos tornemos conscientes da urgência de um novo contrato social, político e de ocupação do espaço. E recorre à metáfora das cadeiras. Cinco pessoas entram num quarto e descobrem que existem só quatro cadeiras. O que fazer? Podem competir entre si para excluir uma pessoa e ver quem tem direito a se sentar. E este é um paradigma de contrato espacial. Ou podem alinhar as cadeiras e transformá-las num banco onde todos cabem. E esse é outro paradigma.