Relações calorosas protegem a mente e o corpo das flechas da vida

Razões para Acreditar 23 fevereiro 2023  •  Tempo de Leitura: 12

Chama-se Harvard Study of Adult Development , teve início em 1938, chegou aos dias de hoje e a ideia é continuar. Ao longo de mais de 80 anos, o Estudo de Harvard tem vindo a rastrear os mesmos indivíduos e respectivas famílias, fazendo milhares de perguntas e centenas de avaliações – desde exames ao cérebro a análises hematológicas – com o objectivo de descobrir o que realmente contribui para uma vida (mais) feliz. Até nota em contrário, este é o estudo sobre desenvolvimento humano mais longo da história, na medida em que, ao longo dos últimos 85 anos, acompanhou as mesmas pessoas, cobrindo até agora três gerações. O objectivo: tentar encontrar dados científicos que “expliquem” o que mais feliz faz as pessoas. Dado que a maioria dos participantes já morreu, como afirma o seu actual director Robert Waldinger numa TED Talk [de acesso limitado], os dados que continuam a ser recolhidos são os dos filhos destes que são hoje Baby Boomers. 

 

É, assim, uma aventura científica extraordinária, liderada pela Harvard Business School e o Massachusetts General Hospital, que tem vindo a estudar as vidas de mais de duas mil pessoas neste projecto de pesquisa longitudinal, o qual começou em Boston, em 1938, com dois grupos, ou estudos, em que um não fazia ideia da existência do outro e vice-versa. 

 

As histórias pessoais dos participantes no Estudo de Harvard e os seus principais frutos são reforçados pelos resultados de investigação de muitos outros estudos longitudinais e que, de uma maneira geral, concluem que são as relações, em todas as suas formas – amizades, parcerias românticas, famílias, colegas de trabalho, parceiros de ténis, membros de clubes de leitura, etc. – que mais contribuem para uma vida mais feliz e mais saudável. 

 

O actual director do programa (o quarto desde o seu início), Robert Waldinger, Psiquiatra, em conjunto Mark Schulz, consultor científico e director associado,  lançaram, em Janeiro último, o livro The Good Life: Lessons From the World’s Longest Scientific Study of Happiness, no qual apresentam vários dos resultados obtidos ao longo destas oito décadas, partilhando igualmente o que os participantes mais felizes (e mais infelizes) têm/tiveram a dizer sobre o lugar da felicidade ou infelicidade nas suas vidas, e como colocar boas lições em prática, pois ser feliz não obedece a nenhuma faixa etária em particular. 

 

Para os autores, e ao longo de todos os anos de estudo destas vidas, o que mais se destaca pelo seu impacto na saúde física, saúde mental, e longevidade são as relações fortes. Ou, como resumem Waldinger e Schulz: “Boas relações mantêm-nos mais felizes e mais saudáveis. Ponto final”.

 

O problema deste estudo é que, tendo tido início em 1938, e numa cidade como Boston, com 97,4% de caucasianos, não incluiu, ao longo de muitos anos, nem negros nem mulheres. Apesar de politicamente incorrecto, e passado algum tempo, este foi-se expandido para incluir igualmente um equilíbrio de género, mas novamente sem a participação de negros, pois o início do estudo realmente começou com os caucasianos de Boston, os quais continuam a ser estudados. Contudo e paralelamente, Waldinger e Schulz incorporaram resultados de outros estudos que são mais diversificados para garantir que o que apresentam neste livro não é específico da população branca de Boston, com as demais análises a chegarem a resultados muito similares ao Estudo de Harvard, em grupos mais diversificados de pessoas.

 

Num excerto do livro, os autores escrevem que todos os estudos longitudinais, bem como o de Harvard, testemunham a importância das ligações humanas. Mostram que as pessoas que estão mais ligadas à família, aos amigos e à comunidade são mais felizes e fisicamente mais saudáveis do que as pessoas que não têm relacionamentos fortes. Em contrapartida, as pessoas que se sentem mais isoladas, vêem a sua saúde diminuir mais cedo do que as pessoas que se sentem ligadas aos outros. As pessoas solitárias também têm vidas mais curtas. Infelizmente, e como afirmam, este sentimento de desconexão em relação aos outros está a crescer em todo o mundo. Cerca de um em cada quatro americanos relatam sentir-se solitários, o que se traduz em mais de sessenta milhões de pessoas. Na China, a solidão entre os adultos mais velhos aumentou acentuadamente nos últimos anos, e a Grã-Bretanha nomeou, já há alguns anos, um ministro da solidão para enfrentar o que se tornou um enorme desafio de saúde pública. Existem inúmeras razões sociais, económicas e tecnológicas para tal, mas independentemente das causas, os dados não poderiam ser mais claros: a sombra da solidão e da desconexão social paira sobre o nosso mundo moderno “sempre ligado”.

 

Num entrevista à McKinsey no âmbito da publicação recente do livro cima enunciado, a seguinte questão foi colocada a Waldinger: “como é possível separar as relações das questões económicas, da boa ou má sorte, de uma infância difícil, ou de qualquer outra circunstância importante que afecte o que sentimos no dia-a-dia? É realmente possível responder à pergunta: o que faz uma boa vida?”

 

Para Waldinger, e depois de estudar centenas de vidas “inteiras”, é possível confirmar o que todos nós já sabemos: que uma enorme variedade de factores contribui para a felicidade de uma pessoas e que o delicado equilíbrio das questões económicas, sociais, psicológicas e de saúde é muito complexo e está em constante mudança. Raramente se pode dizer, com absoluta confiança, que um único factor contribui para qualquer que seja resultado. Mas dito isto, o director do Estudo de Harvard assegura que há realmente respostas para esta pergunta. “Se olharmos para os mesmos tipos de dados repetidamente ao longo do tempo, através de um grande número de pessoas e estudos, os padrões começam a emergir e tudo se torna mais claro. Entre os muitos elementos de saúde e felicidade, desde uma boa dieta ao exercício físico até ao nível de rendimento auferido, uma vida de relações boas destaca-se pelo seu poder e consistência”. 

 

Nunca é tarde de mais

A partir das suas pesquisas, os autores garantem que nunca é demasiado tarde para se ser feliz, estado que não deixa de ser efémero, mas que pode ser cultivado e transformar-se, no geral, na “boa vida” que qualquer ser humano procura.

 

É verdade, afirmam os autores no livro, que os genes e as experiências moldam a forma como se olha para o mundo, a maneira como se interage com outras pessoas e como se responde a sentimentos negativos. E é igualmente verdade que as oportunidades de progresso económico e de dignidade humana básica não são equitativamente distribuídas para todos, e são muitas as pessoas que nascem em posições de desvantagem significativa. Todavia, e como defendem, as diferentes formas de estar no mundo “não estão gravadas na pedra, mas sim fixadas na areia”. Ou seja o que Waldinger e Schulz querem dizer é que uma má infância não tem de ser o destino de quem a viveu, bem como a disposição natural ou o bairro em que se nasceu, apesar de em muitos casos estes factos marcarem negativamente a vida de milhares de milhões de pessoas. 

 

E garantem que a sua pesquisa corrobora estas descobertas. Nada de mau que aconteça na vida de uma pessoa a impede de se ligar aos outros, de prosperar e de ser feliz. O problema, afirmam, é que as pessoas pensam que quando chegam à idade adulta a sua existência e o modo de vida que têm estão já definidos. Mas o que os autores descobriram ao olhar para a totalidade da investigação sobre este “desenvolvimento humano” é que esta premissa é falsa e que é sempre possível uma mudança significativa na vida.

 

Os autores não deixam contudo de falar sobe o problema da solidão, que realmente afecta tanto o estado de espírito como a saúde física e “que muitas pessoas estão mais isoladas do que realmente gostariam”. Waldinger e Schulz dizem que usam esta fase por uma razão: a solidão não é apenas a separação física dos outros. O número de pessoas que se conhece não determina necessariamente experiências de ligação ou de solidão e pode-se estar só no meio de uma multidão. O mesmo pode acontecer num casamento ou numa relação amorosa. “De facto, sabemos que casamentos com demasiados conflitos e com pouco afecto podem ser piores para a saúde do que um divórcio”. 

 

Em vez disso, insistem, o que importa é a qualidade das relações. Em termos simples, viver no meio de relações calorosas protege tanto a mente como o corpo.

 

Os autores que estudaram milhares de pessoas – e cujas histórias são contadas no livro – declaram, e sem surpresas, que não existem vidas sem voltas, reviravoltas e desafios. Mas insistem que nunca é tarde de mais para que coisas boas aconteçam. Como escrevem e a título de exemplo, “as pessoas podem encontrar o amor aos 70 ou aos 80 anos, ou quando menos esperam”. E a nota que querem deixar aos leitores é que, e de acordo com os múltiplos dados que têm vindo a recolher, se uma pessoa pensa que sabe que é demasiado tarde para si encontrar significado na vida, deve pensar duas vezes: a verdade é que nunca se sabe.

 

As cinco lições e ilações retiradas desta experiência quase centenária

 

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[@Helena Oliveira | VER.PT]

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