Querido Francisco, tão querido Jorge
Para mim, não morreu apenas o melhor e mais corajoso Papa de sempre; morreu um ser humano cujas palavras, acções e vida nos devem inspirar a todos, e para todo o sempre.
Papa Francisco para os crentes, Jorge Bergoglio para todos. É emocionado e com as lágrimas nos olhos que lhe escrevo isto que me sai de rajada, sem pesquisa, de memória e do coração profundo. Eu sou 100% ateu e para mim, hoje morreu um ídolo. Vi vários documentários sobre a sua biografia, incluindo neste sábado à noite na SIC-N, e da primeira vez que vi o filme Os Dois Papas,chorei baba e ranho do princípio ao fim pela injecção brutal das substâncias que mais alimentam a minha alma: humanismo, humildade, abnegação, inspiração máxima e enorme motivação para ser uma pessoa melhor.
O meu ateísmo leva-me apenas a ver a pessoa, e depois a enquadrá-la na posição religiosa/política extremamente difícil de se ser Papa, pelo enormíssimo poder e responsabilidade que lhe vem acoplado. Das primeiras coisas que fez no seu pontificado foi ir a Lampedusa, a ilha italiana aonde chegam milhares de refugiados desesperados vindos de África... Um cancro para uns, seres humanos que precisam do nosso coração para si. Em 2015 foi à República Centro-Africana, país que a maioria nem sabe que existe, a contas com uma guerra terrível onde cristãos e muçulmanos se massacram à vez. Além de ter ido tanto a zonas cristãs como muçulmanas, teve efectivamente uma acção fulcral na diminuição da intensidade da guerra civil e no sofrimento de milhões. Foi ao “meu” querido Congo, a pior guerra desde a II Guerra Mundial, foi à Birmânia por causa do genocídio dos rohingya e, como eu nunca, repito, nunca mas nunca, pensei, teve a infinita coragem de criticar Israel com as letras todas, pela carnificina na Palestina, indo para além de frases completamente ocas de tantos políticos que só sabem proferir discursos à “Miss Mundo” de quem “quer a paz” e que, ao assumirem-se neutros, se colocam ao lado do agressor.
Humanizou os homossexuais, as mães solteiras, os imigrantes e refugiados, e foi um “activista climático” que olhou a menina Greta nos olhos e lhe disse: “Continue your work, continue!” E, não menos importante, sempre com um sorriso.
Deu passos pequenos mas importantes naquele que para mim é o maior flagelo da igreja: o machismo institucional e o celibato que é apenas estúpido, porque nem Jesus foi assexuado. Não virou a cara à página mais sinistra, nojenta e criminosa da Igreja, a da pedofilia. Ao contrário de tantos na instituição, que achavam que a coisa “mais correcta” a fazer era esconder o problema, Francisco foi a fundo, deu a cara, desenterrou abertamente todos os criminosos na Igreja que conseguiu encontrar, para que não se tome a parte pelo todo, nem se deixe perpetuar um dos crimes mais hediondos da humanidade, e demitiu fosse quem fosse, que tivesse cometido actos de pedofilia ou encoberto os mesmos, porque se é verdade que este é um crime hediondo que na Igreja é mais frequente, também é ainda mais verdade que a esmagadora maioria dos padres faz um trabalho fantástico pelas suas paróquias, pelas suas comunidades e até por tantos de outras crenças. Eu já conheci padres e freiras que foram das minhas maiores inspirações até hoje.
Para mim, não morreu apenas o melhor e mais corajoso Papa de sempre; morreu um ser humano cujas palavras, acções e vida nos devem inspirar a todos, e para todo o sempre.
É raro eu escrever um obituário, mas a Jorge Bergoglio devo muito, porque viver inspirado e querer fazer melhor, e ter para quem olhar para sermos mais humanos, é algo que temos de valorizar mais do que toda a riqueza do planeta, porque de nada vale tudo o que temos se perdemos a humanidade.
Obrigado, Jorge, por tudo e por tanto, vou ter muitas saudades suas, mas vai viver dentro de mim, para sempre, no melhor dos lugares do meu coração, onde estará sempre feliz e a sorrir.
Prometo, por si, tentar ser e fazer melhor.
Seu eterno admirador,
[As crónicas de Gustavo Carona são a favor dos Médicos sem Fronteiras | @Público]