Conto: E eu (também) orava...

Conto 15 março 2020  •  Tempo de Leitura: 18

Olá, caros amigos!

 

Gostava de vos falar de uma das coisas mais bonitas que os meus pais me ensinaram e que marcou toda a minha vida: a oração. Na verdade, uma das primeiras coisas que me recordo de fazer quando ainda era pequenino em Nazaré era rezar no meu quarto com o meu pai e a minha mãe. Que saudades que tenho das palavras simples e espontâneas que nós dizíamos ao Pai em família. Era mesmo uma conversa sincera em que deixávamos falar o coração e também fazíamos silêncio para escutá-Lo pois Ele tinha sempre alguma coisa para nos fazer pensar.

 

Quando era miúdo, lembro-me de dar passeios pelas montanhas e brincar com os meus pais junto aos rios e lagos e se havia coisa que nunca faltava era uns momentos em que contemplávamos a paisagem e, muitas vezes, quando queríamos louvar a Deus pela natureza que criara com tanto amor e sabedoria, preferíamos ficar calados, fechar os olhos, sentir o vento e sorrir.

 

Também nunca me vou esquecer de acordar algumas vezes durante a noite e ouvir o meu pai a ler baixinho algum texto das sagradas escrituras para a minha mãe e a pedir ao Pai que fossem capazes de fazer a sua vontade e ela a agradecer-Lhe tantas coisas boas que nos dava e a pedir perdão por alguns pensamentos, palavras e gestos que tinham feito menos bons ou, então, que deixaram de fazer.

 

Recordo com carinho as orações que aprendi na catequese e rezávamos todos na oração comunitária e nas peregrinações com muitas outras pessoas. No fundo, eram fórmulas que todos sabíamos de cor e que já tinham sido usadas de geração em geração inumeráveis vezes e em variadíssimos lugares e circunstâncias. Era uma sensação indescritível sentir-me unido a tanta gente que, como eu, rezava utilizando as mesmas palavras para expressar a fé e pedir que todos conseguíssemos cumprir os mandamentos e amar a Deus com todo o nosso coração, com toda a nossa alma, e com todas as nossas forças e, assim da mesma forma, amássemos aos outros como a nós mesmos.

 

Uma coisa vos posso garantir: a oração era de tal forma importante para mim que orava com frequência, pois era como que o oxigénio que precisava para viver. Por isso, rezava de manhã cedo, ao meio dia, ao fim da tarde e à noite. Na verdade, acho que vivia como se a minha vida fosse uma oração contínua e eu rezava a vida em cada coisa e em cada pessoa com quem me encontrava. Cheguei a rezar noites inteiras no alto das montanhas a olhar a lua e as estrelas e gostava muito de dialogar com o meu Pai junto ao mar de madrugada a ver o nascer do sol ou ao entardecer a observar o pôr do sol.

 

Sempre que tinha quer tomar alguma decisão importante, tinha necessidade de retirar-me um pouco para longe do bulício do quotidiano e deixar falar a minha consciência e esperar que o meu Pai me ajudasse a discernir sobre a melhor maneira de dizer e fazer as coisas. A verdade é que, muitas vezes, ri e chorei, enquanto conversava com Ele e lhe apresentava os meus pontos de vista e lhe pedia conselhos.

 

Uma coisa é certa: nunca deixei de lhe manifestar total disponibilidade para que eu se fizesse como Ele julgasse melhor. Na realidade, Ele conhece-nos a todos muito melhor do que nós mesmos e sabe perfeitamente, mesmo sem que lho digamos, o que mais nos é necessário. E ainda bem que não nos dá tudo aquilo que Lhe pedimos pois, frequentemente, não temos noção do que Lhe estamos a pedir, nem percebemos que muitas coisas não serão boas para nós.

 

Vejo muitas pessoas que gostam de orar à vista de toda a gente e parece que apenas se preocupam em exibir-se para que sejam elogiados, além de que muitos há que repetem muitas orações de memória como se fossem papagaios e julgam que serão mais facilmente ouvidos por Deus se usarem muitas palavras. Claro que podem e devem orar juntos e em lugares públicos pois isso é bom e poderá ser um extraordinário testemunho de fé.

 

No entanto, o meu conselho é que, quando quiserdes rezar, vão para o vosso quarto ou para outro local da casa ou, então, para outro sítio qualquer em que possam estar tranquilamente e sem distrações a sós com o Pai. Na verdade, a oração não é uma questão de lugares nem de palavras, mas sim um estado de espírito e uma disposição para vos encontrardes com Ele e serdes vós mesmos sem máscaras num diálogo transparente, construtivo e confiante.

 

Lembro-me de uma ocasião em que contei aos meus amigos a história de dois homens que tinham entrado no templo para orar. Um deles rezava em voz alta e à frente de toda a gente e agradecia a Deus por não ser como os outros, que eram ladrões, injustos ou adúlteros, nem sequer como o homem que estava lá ao fundo e gabava-se de jejuar duas vezes por semana e por dar o dízimo de tudo quanto ganhava.

 

O outro homem, que estava na verdade bem longe dos primeiros lugares, não levantava sequer os olhos e, batendo no peito, reconhecia na sua oração a sua miséria e fragilidade e somente ousava implorar a bondade infinita de Deus.  A verdade é que este conquistou o coração misericordioso do Pai pela sua humildade e sinceridade, ao contrário do outro que apenas exibiu arrogância e pretendeu demonstrar que era bom, perfeito, puro e o verdadeiro exemplo de santidade para todos. Enfim…

 

Recordo, também, de ter contado noutra altura outra história aos meus amigos para que percebessem a importância de orar muito e bem pois dou-me conta que há muitas pessoas que dizem ter fé que ou não rezam simplesmente ou só o fazem quando estão aflitas ou rezam pouco e mal.

 

Imaginem que um homem tinha um amigo que lhe bateu à porta à meia-noite a pedir três pães emprestados, já que chegara um outro seu amigo de viagem e não tinha nada para lhe oferecer. A reação do homem foi a de pedir-lhe que não o incomodasse, pois a porta já estava fechada, toda a sua família estava deitada e não podia levantar-se e dar ao amigo o que pedia. No entanto, o homem acabou por lhe dar os pães que pedira, não por ser seu amigo, mas por ter sido insistente na sua impertinência e inconveniência.

 

Assim é a oração. Partilhem com o Pai o que pensam e sentem e apresentem-lhe as vossas razões e opiniões. Peçam e será dado. Busquem e encontrarão. Batam e a porta abrir-se-á. Acreditem que todo aquele que pede, recebe. O que busca, encontra. Àquele que bate, a porta será aberta. Acham que é possível que algum filho que peça ao pai um peixe, receba uma cobra? Ou se pedir um ovo, receberá um escorpião? Se as pessoas, apesar de nem sempre serem boas, sabem oferecer coisas boas aos seus filhos, muito melhor sabe fazer o meu Pai.

 

Volto a dizer-vos a vós o que disse aos meus amigos quando me pediram que os ensinasse a rezar. Dizei vós também assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome, venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. Amém.

 

Acredito que esta seja a oração mais bonita e especial de todas quantas existem pois resume bem tudo quanto podeis e deveis pedir ao nosso Pai. Chamamos a Deus de Pai e não há maneira mais singela de conversarmos com Ele. Não é Pai apenas de alguns e não de outros e, por isso, dizemos Pai nosso. Ele é o Senhor de todas as coisas e reconhecemo-nos todos irmãos, numa só família universal, onde não existem discriminações de pessoas, raças, povos, culturas ou condições sociais. Acreditem que o nosso Pai ama de igual forma todos os seus filhos e cada um está no seu coração e no seu pensamento como se não existisse mais ninguém no universo.

Ao dizermos que o seu nome seja santificado, estamos a reconhecer que Ele deve ser louvado, adorado e glorificado por vós. E isso acontece quando desejamos assemelhar-nos a Ele e fazemos tudo para sermos perfeitos e santos como Ele é. Mas isto não pode ser algo abstrato ou uma teoria. Isto demonstra-se na vida concreta quando vos amais uns aos outros como Ele ama e sempre que acolheis os demais como irmãos e com o Seu estilo de amor.

 

Quando dizemos que venha a nós o Seu Reino, estamos a pedir que, de alguma forma, se realize já aqui e agora o Reino do céu, essencialmente naquilo que ele tem de amor, harmonia, paz e justiça e que os povos se unam num só coração. Quando dizemos que seja feita a Sua vontade, estamos a pedir a Deus que sejamos capazes de abrir-nos à Sua graça, sabendo acolher aquilo que Ele achar melhor para cada um de nós.

 

Quando pedimos o pão de cada dia para todos, estamos a desejar que nunca falte o alimento em qualidade e quantidade para vivermos com dignidade e de forma saudável, além de que pedimos a bênção do Pai para que saibamos repartir e partilhar com os outros o que temos e somos, sobretudo o pão da fraternidade, da solidariedade, da justiça, da paz e do perdão.

 

Quando pedis que o Pai perdoe as vossas ofensas, assim como perdoais a quem vos ofende, estais a pedir um coração bom e generoso, capaz de desculpar aos outros quando eles vos magoam, prejudicam e desiludem, pois Deus dá o exemplo ao amar-vos desmedidamente e consegue perdoar-vos e esquecer-se das vossas maldades. Mesmo que não façais desta forma, a Sua misericórdia é infinitamente maior que a vossa capacidade de amar.

 

Quando pedimos que Deus não vos deixe cair em tentação e vos livre do mal, estais a pedir-Lhe que sejais fortes para vencer todo o mal, tudo o que nos destrói o coração, desune e separa dos outros e vos deixa infelizes. E ao dizer Amém estamos a desejar que tudo quanto saiu do nosso coração e foi pronunciado pelos lábios assim seja em todos, sempre e em toda a parte.

 

Recordo-me, ainda, que numa determinada ocasião convidei três amigos a subir ao cume de um monte para dar um passeio e orar um pouco. Aqueles momentos foram tão especiais e todos nos sentíamos tão felizes por estarmos juntos a rezar que eles sugeriram que montássemos umas tendas e ficássemos ali para sempre.

 

É esta a beleza da oração. É tão bom estar com o Pai a conversar que quase não apetece ir para a vida quotidiana a acontecer lá fora. Contudo, rezar é necessário e devemos fazê-lo sem cessar, mas é uma forma de nos alimentarmos espiritualmente para conseguirmos viver a vida real e concreta na construção de um mundo melhor, ao jeito do sonho do Pai e do seu projeto de amor.

 

Por isso é que eu estou sempre a bendizer o meu Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeu estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelou aos pequeninos. Sim, porque assim foi do Seu agrado. A verdade é que tudo me foi entregue por meu Pai e Ele quis que eu vos conduzisse à Sua casa. Rezar é a melhor forma de estardes comigo e com o Espírito Santo na casa do Pai.

 

Lembro-me bem que nos últimos dias da minha vida, jantei com os meus amigos e rezei com eles ao partir e repartir o pão e ao pegar e partilhar um cálice de vinho por todos. Pedi aos meus amigos que fizessem memória daquele momento e daquela oração tão solene sempre que celebrassem a Eucaristia, pois aquilo era o meu próprio corpo e sangue entregue para a salvação de toda a humanidade. A Eucaristia é, de facto, a oração por excelência, a mais sublime e a mais concreta, pois todos se reúnem como família para dar graças a Deus e celebrar na fé a minha morte e ressurreição.

 

Depois da ceia, fui com os meus amigos para um monte próximo e aconselhei-os a orar para não caírem em tentação. Afastei-me um pouco e, pondo-me de joelhos, rezei, dizendo com todas as minhas forças que aqueles momentos estavam a ser muito duros e que o meu Pai se quisesse podia afastar de mim aquele cálice, mas que se fizesse a Sua vontade e não a minha.

 

Como homem, sentia a angústia do sofrimento e da proximidade da morte e só na oração conseguia o alívio de que precisava para aguentar tamanha provação. Dialogava com o meu Pai e tentava perceber o que pretendia de mim e quais eram os seus planos salvíficos.

 

Jamais esquecerei que também orei na cruz onde me puseram e, após ter pedido ao meu Pai que perdoasse aquela gente toda que me tinha condenado à morte já não sabia o que estava a fazer, antes de dar o último suspiro, disse-Lhe que entregava nas Suas mãos o meu espírito.

 

Se eu, que sou o Filho de Deus, gostava de rezar, muito mais vós precisais de o fazer também. Dei-vos o exemplo para que sejais capazes de perceber que sem Deus não sois nada e a vossa vida não tem sentido. Precisais pedir sempre que Ele vos acompanhe, proteja, abençoe, ilumine e inspire os vossos passos. Não rezeis só quando as coisas estão difíceis, mas orai a todo o instante com fé, confiança, humildade e insistência. E não vos esqueçais de ser agradecidos por tantos dons que todos os dias recebeis de Deus.

 

Lembrai-vos que não conseguimos imaginar uma relação de amizade ou de amor sem diálogo e comunicação entre as partes envolvidas. Caso contrário, tudo acaba irremediavelmente. Assim acontece se não dialogardes com o Pai através da oração. Se um caminho que liga as casas de dois amigos no meio de um bosque deixa de ser frequentado por eles, aos poucos ele é invadido por silvas, ramos, paus, folhas e lixo e, inevitavelmente, desaparece e os amigos deixam de se ver, conversar, conviver e acabam por se esquecerem.

 

Assim é com a oração.  Só Deus basta e só nele e com Ele podeis ser felizes. A oração é o caminho para ter lugar o nosso encontro com o Pai. Então, rezai com este vosso amigo Jesus pois, se quiserdes, eu quero muito caminhar ao vosso lado e trilhar a vossa história! Estamos juntos. Abraço amigo!

 

Paulo Costa

Conto

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