Conto: «A Bondade segundo o velho eremita»

Conto 15 março 2023  •  Tempo de Leitura: 5

Era uma vez um homem cuja ruindade e antipatia eram conhecidas de todos. Como estava no ocaso da sua vida, decidiu ir falar com um velho eremita que vivia numa caverna da montanha e confessou estar amargurado porque as pessoas não gostavam de si e não reconheciam bondade alguma no seu coração. Então, o ancião disse-lhe:

 

- Tens razões para estar triste e preocupado pois não há coisa mais bela e nobre que a bondade e, mais que qualquer outra coisa, ela é a mais autêntica medida da grandeza e elevação do carácter das pessoas. Nem todos podem ser famosos e poderosos, mas todos podem ser bons e assim como nos ensinam coisas más, também podemos aprender a ser pessoas boas. Acredito que um dos mais importantes pilares da sabedoria reside na nossa bondade na relação com os outros, pelo menos na mesma medida em que gostaríamos que fossem bondosos connosco. Não deveríamos permitir que ninguém saísse da nossa beira sem ter sentido a nossa bondade, nem que fosse embora um pouco mais satisfeito do que estava antes.

 

O homem reconheceu a sinceridade e verdade das palavras do velho eremita, mas não deixou de afirmar que não era sua a responsabilidade de não ser muito amistoso. Como falou diversas vezes de uma vizinha que o odiava, mas que a culpa era dela por ser má como as cobras, o eremita deu-lhe a receita de um chá que provocava muita comichão e suores e que seria uma boa maneira de se conseguir vingar da sua malvadez.

 

Durante várias semanas, apenas para se rir, o homem convidou a vizinha a ir lá casa tomar um chá com umas bolachinhas, mas intrigava-o que a receita do eremita não estivesse a ter os efeitos prometidos. A verdade é que os dois vizinhos se foram tornando, pouco a pouco, mais afáveis e foram fazendo por esquecer vários anos de candeias às avessas. Quando o homem foi contar tudo ao eremita, ele sorriu e confessou-lhe que o chá era apenas um motivo para que os dois se encontrassem, convivessem e se reconciliassem. Como o eremita viu simpatia no homem, disse-lhe:

 

- Vês, tu tens a semente da bondade em ti. Apesar de tanto egoísmo, ódio e maldade no mundo, eu ainda acredito na bondade humana e sinto que o bem é mais forte que o mal. A bondade é como uma chama que pode estar momentaneamente oculta, mas nunca se extingue definitivamente ou como uma semente debaixo da terra que, mais tarde ou mais cedo, vai brotar e dar fruto. Nem sempre a bondade é notória e evidente, mas ela existe mais do que parece pois gosta de se apresentar de forma humilde e discreta. Acredito que a maior parte dos problemas da humanidade se resolveria se houvesse um pouco mais de bondade em todas as pessoas.

 

Depois, como o homem referiu que tinha um irmão idoso e doente noutra aldeia e com quem tivera sempre muitas desavenças, já não falava há vários anos e era muito pobre, o eremita, disse-lhe que fosse a sua casa e lhe oferecesse ajuda.

 

O homem foi e levou uma bolsa cheia de dinheiro para lhe ofertar, mas, pelo caminho, teve pena de uma velhinha cega e deu-lhe uma parte, depois, teve compaixão de uma menina que pedia esmola e doou-lhe outra parte e, por fim, compadeceu-se de um homem de cadeira de rodas e abriu mão do restante, chegando a casa do irmão sem absolutamente nada. O irmão ao vê-lo, após tantos anos de contendas, chorou e disse-lhe que a coisa que mais queria na vida era reconciliar-se consigo e que o seu abraço era o melhor presente que lhe poderia oferecer. Mais tarde, o eremita disse-lhe:

 

- Parabéns, caro amigo. Eu sabia que a bondade voltaria a habitar no teu coração. O mais pequeno gesto de bondade tem um valor incalculavelmente maior do que muitas teorias, belas palavras ou boas intenções. Por vezes, as mãos que ajudam, as palavras que aconchegam e os sorrisos que animam podem ser bem mais importantes que muitas orações e muitos rituais religiosos. Mesmo que não seja visto ou reconhecido, nenhum gesto de bondade é em vão, pois as pessoas até podem esquecer-se do que dissemos ou fizemos, mas sempre se irão recordar de como as fizemos sentir bem. Agora, vai, ama, e lembra-te que só serás feliz se tentares fazer os outros felizes.

Paulo Costa

Conto

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