A dor da impotência perante a dor dos outros

Cartas a uma amiga 8 junho 2024  •  Tempo de Leitura: 2

Passamos muito tempo a tentar ignorar, relativizar e desvalorizar as coisas que nos magoam. É um trabalho árduo mas que nos protege de pesos que nos tornam a mente cinzenta.

 

Mas quem nos protege do mal que fazem aos outros que são nossos?

 

O que fazemos à raiva, à ansiedade e ao medo de fazerem algo de mal aos nossos?

 

O que fazemos quando assistimos a injustiças, corações partidos, orgulhos feridos e tristezas daqueles que são nossos?

 

Vivemos uma cultura um pouco estranha, por um lado a uns é ensinado a “dar a oura face”, a tentar não responder nem agredir. A outros incute-se-lhes a lei da sobrevivência, do mais forte do “salve-se quem puder”. 

 

E quem medeia isto? Quem prevalece? 

 

Quantas vezes nos apetece levantar e ir ao encontro do outro para tirar satisfações e por tudo em pratos limpos? Mas depois temos medos das represálias, do que pensam de nós e dos rótulos que nos afetam e em especial afetam os outros que são nossos.

 

Quem tem filhos sabe bem do que falo. Sabe da dor que é ver filhos desmotivados com o ambiente da escola, com a falta de empatia de alguns professores, com os resultados e com uma tristeza que rapidamente se transforma num buraco. E confortamos com: “deixa lá, amanhã vai ser melhor”, mas na verdade é como uma lança que atravessa o nosso coração. Mesmo quando são mais velhos, não estamos imunes ao sofrimento que vivemos com a instabilidade que os nossos filhos vivem no trabalho, ora com chefes intragáveis, colegas de trabalho complicados e vida social precária. E sorrimos a disfarçar a angústia que vai cá dentro. Arrisco-me a dizer que sofremos mais com a dor dos nossos do que com a nossa maior dor. Sentimo-nos impotentes e incapazes de solucionar o que quer que seja.

 

Talvez tenha mesmo de ser assim, cada um no seu caminho, cada um com a sua dor, mas a verdade é que acho que nunca deixamos de ser Cireneus nem Verónicas e sofremos sempre ao ver a dor dos outros e essa dor…por mais que a mascaremos de palavras motivacionais abre chagas cá dentro.

 

E tu amiga, que dores carregas tu?

Raquel Rodrigues

Cronista "Cartas a uma amiga"

Raquel Rodrigues nasceu no último ano da década 70 do século passado. Cresceu em graça e em alguma sabedoria, sendo licenciada em Gestão, frequenta o mestrado em Santidade: está no bom caminho!

Aproveita cada oportunidade para refletir sobre os sentimentos que as relações humanas despertam e que, talvez, sejam comuns a muitas pessoas. A sua escrita é fruto da vontade de partilhar os seus estados de alma com a “amiga” que pode bem ser qualquer pessoa que leia com disposição cada uma das suas cartas.

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