8ª meditação da quaresma: «Crer em Deus é crer na misericórdia»

Vaticano 23 fevereiro 2018  •  Tempo de Leitura: 4

Um dos grandes perigos do caminho interior é o olhar autocentrado, «no qual o eu é o princípio e o fim de todas as coisas», afirmou na manhã desta quinta-feira o P. Tolentino Mendonça, durante os exercícios espirituais do papa Francisco e de membros da Cúria Romana.

 

A oitava meditação do retiro que começou no domingo e termina esta sexta-feira, em Ariccia, próximo do Vaticano, centrou-se na parábola do filho pródigo (Lucas 15, 11-32).

 

A narrativa traz à luz «uma família humana como aquela de onde vem cada um de nós», e por isso é um espelho, revelando «uma história que nos agarra por dentro», na qual se vê «problematizada a relação entre irmãos» que manifesta o «delicado significado do vínculo filial» da trama «subtil e frágil de afetos que tecemos uns com os outros».

 

«Dentro de nós, na verdade, não há apenas coisas belas, harmoniosas, resolvidas. Dentro de nós há sentimentos sufocados, muitas coisas a aclarar, patologias, inúmeros fios a ligar. Há regiões de sofrimento, questões a reconciliar, memórias e cesuras para deixar a Deus para que as cure», afirmou.

 

O tempo atual, prosseguiu o poeta e biblista português, é dominado por «um desejo à deriva» favorável ao surgimento de «filhos pródigos», através de atitudes como o arbítrio fácil, o capricho, o hedonismo.

 

Estes modos de estar desenvolvem-se num «vórtice enganador» ditado pela «sociedade dos consumos», que promete satisfazer tudo e todos ao identificar «a felicidade com a saciedade». Estamos assim cheios, plenos, satisfeitos, domesticados». Mas esta saciedade que se obtém com os consumos é «a prisão do desejo».

 

À necessidade de liberdade do filho mais novo, impelido por «fantasias de omnipotência», acrescentam-se «as expetativas doentias» do filho maior, «as mesmas que com grande facilidade se infiltram em nós».

 

Trata-se, apontou o P. Tolentino Mendonça, da «dificuldade de viver a fraternidade, a pretensão de condicionar as decisões do pai, a recusa de se alegrar com o bem do outro. Tudo isto cria nele um ressentimento latente e a incapacidade de colher a lógica da misericórdia».

 

Aos passos falsos do filho menor, animado por um desejo à deriva, sobrepõe-se um perigo que consome o filho maior: a inveja, que é uma patologia do desejo, caracterizada pela falta de amor, uma «reivindicação estéril e infeliz».

 

O filho maior, que não conseguiu resolver a relação com o irmão, está ferido pela «agressividade, barreiras e violência». O contrário da inveja é a gratidão que «constrói e reconstrói o mundo», sublinhou o primeiro diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

 

Ao lado das figuras dos jovens, emerge a do pai, «ícone da misericórdia»: «Tem dois filhos e compreende que relacionar-se com eles de maneiras diferentes, reservar a cada qual um olhar único».

 

A misericórdia «não é dar ao outro o que ele merece». A misericórdia é compaixão, bondade, perdão. É «dar a mais, dar mais além, ir mais longe». É um «excesso de amor» que cura as feridas. A misericórdia é um dos atributos de Deus. Por isso crer em Deus é crer na misericórdia. A misericórdia é um Evangelho a descobrir, concluiu o sacerdote.

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