JEJUM
Frequentemente, falar de jejum, num contexto espiritual, é acenar à dimensão mais redutora da penitência, a uma lógica de sofrimento em que não se percebe bem o seu sentido. E isso faz toda a diferença: o sentido das coisas, da vida, das opções, do sofrimento…
Atualmente, o termo jejum é recorrente no universo nutricional e até são famosas as dietas que incorporam o seu nome. É bem aceite, lá está, uma questão de sentido…
E o que se disse a propósito das dietas poderia ser dito a respeito do desporto ou das artes, onde o jejum é prática corrente, bem aceite e até louvável, como sinal de empenho.
Numa abordagem pedagógica do tema, só se pode concluir que há bastantes lacunas na comunicação a propósito do jejum cristão, de tal forma que até causa estranheza em muitos que dele ouvem falar. Sem dúvida que tem uma dimensão penitencial necessária, mas possui também um sentido intrínseco positivo, que visa fomentar, promover, aumentar o melhor de cada um.
Timothy Leary, nos anos sessenta, tem uma expressão que pode perfeitamente ser aplicada a este contexto de dar sentido ao jejum, indicando até um itinerário: “drop out, turn on, tune in”.
“Drop out”, distanciarmo-nos, afastarmo-nos, libertarmo-nos dos vínculos artificiais, do que não é importante e nos impede de ver o essencial, de tomar decisões conscientes e livres e desvirtua o nosso projeto de vida. Este é o primeiro passo do caminho do jejum que nos deve levar a ver com clareza e honestidade a realidade pessoal.
“Turn on”, centrarmo-nos em nós próprios, afundarmo-nos em nós, termos coragem de nos enfrentar, de não arranjar desculpas para as zonas cinzentas e indefinidas da vida e identificar onde devemos investir e cuidar, no fundo, reorientar o nosso projeto de vida à luz de Quem dá sentido a tudo. É o segundo momento do jejum.
“Tune in”, sintonizarmo-nos de novo com o que nos rodeia, olhar a própria vida e os outros com uma nova visão, procurando novos padrões de comportamento que reflitam a nossa transformação interior e sejam contagiosos para os outros. O terceiro momento do jejum deve ter este caráter construtivo quer a nível pessoal, quer comunitário.
Portanto, jejum não pode ser apenas uma “barrigada de fome” suportada em nome da tradição, deve ser também uma bela e farta ementa de autoconhecimento, humildade, capacidade de reconhecer o essencial, esperança de mudar para melhor, envolvida pela caridade que a tudo dá sentido e suportada pela fé de que não estamos sozinhos nem dependemos só de nós.