O relógio do tempo ou o tempo do relógio?
Somos quem somos porque nos conhecemos e situamos, não só no espaço, enquanto seres corpóreos, como no tempo. Os limites do espaço e do tempo definem o contexto em que cada um deve realizar-se, porque embora não sejamos do mundo, estamos no mundo, não é meta mas é caminho.
Se quanto ao espaço não se levantam grande dúvidas, apesar de ser interessante a ideia de ubiquidade como poder de um super-herói, o tempo parece ser uma dimensão mais ao nosso alcance de vir a ser manipulada. Os relógios, pouco a pouco, deixaram de servir apenas para medir o tempo e coordenar uma vida em sociedade pois, aliando-se à imprescindível agenda onde tudo o que acontece tem de estar marcado, tornaram-se os ditadores do tempo.
Se à ilusão de domínio sobre o tempo juntarmos o mito da perfeição e da excelência, temos um ângulo de visão interessante sobre a sociedade e a nossa vida quotidiana.
Quem nunca teve respostas “é para ontem” sobre um prazo a cumprir? Quantos anúncios publicitários ou lemas de empresas se reduzem à associação da rapidez e da excelência? Que dizer da conceção pós-modernista do culto da imagem do ser humano sempre jovem e belo?
Envolvidos no ritmo acelerado do desenvolvimento constante, passamos a considerar um direito pessoal conquistado a satisfação imediata. As inovações tecnológicas na área da comunicação permanente e em tempo real criaram-nos a ilusão de que tudo está ao alcance de um clique e alguns segundos, no pior dos cenários, dias, se vier do outro lado do mundo. No fundo, já não sabemos dar tempo ao tempo… tudo o que não for movimento, eficácia, rapidez… é um desperdício de tempo. A partir do momento em que “tempo é dinheiro” parece que deixou de ser politicamente correto o ócio, o tempo em família, a religião, o prazer de se saborear cada momento que não seja economicamente produtivo. Até o lazer passou a ser medido pela fruição veloz do maior número de espetáculos, festas, concertos, saídas, bebidas, etc… em que tudo é rápido e “top”.
Quando nos deparamos com situações problemáticas procuramos aplicar a mesma receita: rapidez e excelência. A frustração resultante pode ser grande, traumatizante e até depressiva… porque é preciso saber dar tempo ao tempo para curar feridas, recuperar forças, redescobrir o caminho, criar laços… viver!
Se olharmos a sociedade e as suas crises mais recentes pelo mesmo prisma, conseguimos perceber que há soluções que precisam de tempo. Não há satisfação imediata possível numa solução milagrosa para a crise que atravessamos. O drama dos refugiados não se resolve com rapidez e excelência. Deve-se procurar remediar no menor tempo possível, mas a solução passará sempre por uma mudança de mentalidade que leva o seu tempo. Tempo para todos percebermos que talvez chegamos ao ponto em que, na ideologia de uns ou no sistema económico de outros, todos estamos convencidos de que, por um lado, detemos a verdade absoluta, e por outro, não nos apercebemos que quer uns quer outros passaram a estar ao serviço de interesses instalados.