Eureka! Encontrei-te!
«Este acolhe os pecadores e come com eles» (Lc 15,2). Será esta crítica que conduzirá Jesus a evocar uma das imagens mais marcantes de Deus, já introduzida no Antigo Testamento: o Pastor.
No evangelho de Lucas, Jesus narra uma parábola em três atos: um pastor (Lc 15,4-7), uma mulher (Lc 15,8-10) e um Pai (Lc 15,11-32). Todos procuram, e todos encontrarão. São três cenários quotidianos que desvelam algo extraordinário: o mais desprezado ou insignificante, afinal, é profundamente desejado.
Vejamos o primeiro ato: «Qual é o homem dentre vós que, possuindo cem ovelhas e tendo perdido uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai à procura da que se tinha perdido, até a encontrar?» (v.4).
Quem ousa apostar tudo num desejo? «Qual (…) dentre vós» – desafia-nos Jesus – é capaz de arriscar perder todo o rebanho que possui «no deserto», em detrimento de recuperar uma só ovelha?
Na nossa perspetiva a proporção é absurda. Uma ovelha, num rebanho tão numeroso, simplesmente não é contada. Mas é precisamente aí que Jesus quer conduzir-nos: afunila-nos no trilho da aparente insignificância, dilatando-nos a seguir para o valor colossal da singularidade, que apenas e tão só rivaliza com o imenso coração de Deus.
A chave de leitura revela-se na identidade de quem procura. Um pastor – e neste caso o próprio senhor, dono do rebanho – é quem decide procurar. Afeiçoado não só ao rebanho, mas a cada ovelha, conhece-a pelo nome, procura-a com um desejo intenso…
Jesus desafia-nos a encarar alguém cuja relação com a sua tarefa pressupõe toda a antítese da contabilidade e do pragmatismo dos números. Aqui, máximos e mínimos, infinito e infinitesimal, plural e singular fundem-se sob o olhar de quem ama e sente uma perda.
Um pastor autêntico não poderia fazer por menos. Serve-se antes de outro pragmatismo mais radical e substancial: jogar todas as possibilidades numa única ovelha, apostar nela o derradeiro destino e sentido do rebanho.
É evidente que ele não despreza as outras noventa e nove. Estima-as mais do que tudo, mas nunca será o mesmo sem aquelaovelha tresmalhada. Sem ela, simplesmente deixa de haver aquelerebanho. Para ele só fazem sentido cem, não noventa e nove.
“O deserto” é a prova da urgência, do improviso e do risco necessário para reunificar o rebanho. O destino de todas e cada uma será um só. E, aos olhos de um pastor, perder uma ovelha que seja significa falhar. Deus pode bem com todos os nossos falhanços, mas jamais pode aceitar o Seu.
Não se trata de uma busca banal, mas diligente, porque nela implica-se toda a vida do pastor: tudo o que tem e tudo o que é.
A prova desta dedicação encontramo-la no segundo ato. Uma mulher «procura ansiosamente» (v.8) a dracma que perdeu. Esta expressão revela o zelo e o desejo implicados na busca. Tal é o desejo do pastor.
E na segunda parte do primeiro ato consuma-se a alegria do tão desejado encontro: «Ao encontrá-la, põe-na alegremente aos ombros e, ao chegar a casa, convoca os amigos e vizinhos e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’» (v.5-6).
Vale a pena descascar o sentido de uma palavra-chave na parábola: “encontrar”. No texto original, trata-se do verbo grego euriskode onde deriva a palavra eureka. Ela encontra-se impregnada de um forte impacto emotivo e transformador.
Reza a história que a expressão tornou-se famosa com o sábio Arquimedes. Consta que, enquanto se banhava, foi invadido por uma inspiração, uma ideia genial para resolver um dilema prático. Eufórico de alegria pela extraordinária descoberta, saltou da banheira ainda nu, e correu pelas ruas da cidade a gritar: Eureka! Eureka! («Descobri! Descobri!»).
Desde Arquimedes, ainda hoje perpetuamos o grito universal Eureka!. Ele expressa o júbilo da criação de um novo mundo, marcado pelo progresso científico e humano. Seja, por exemplo, a descoberta da penicilina por Alexander Fleming, ou o New Deal do presidente Roosevelt que resolveu a crise económica de 1929, ou ainda a invenção da lâmpada elétrica por Thomas Edison…enfim, continuamos a desbravar possibilidades de futuro e alegria.
Com a mesma legitimidade, a Boa Notícia de Jesus diz-nos que Deus também clama de júbilo por esta descoberta: «Eureka! Eureka! Finalmente encontrei a minha ovelha perdida!». «Digo-vos Eu: Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão» (Lc 15,7).
Estamos no limiar de uma nova Criação: quem se julgava perdido – irremediavelmente retirado da existência ou da convivência – agora é encontrado(a). Ninguém mais pode ser privado de futuro, pois a alegria de Deus é soberana e irá encontrar e contagiar quem outrora estava condenado. Entramos no Reino de Deus.
A festa acontece, e Deus convida-nos a alegrarmo-nos com Ele! Este Deus que nos encontra é capaz de muito mais que perdoar-nos os pecados: converte-nos num dom para a humanidade, na primícia de um mundo novo onde vale a pena clamar EUREKA!
Jesus de Nazaré descobriu o Homem Novo e, desde então, não cessa de o procurar e encontrar em nós…