Jesus, Mestre de humanidade
Para mim, pessoalmente, a humanidade entranhada de Jesus atrai-me cada vez mais a segui-l’O. Nestes dias reli a introdução do livro do padre e professor universitário Anselmo Borges, intitulado «quem foi, quem é Jesus Cristo»: «Para os crentes, se Jesus não fosse o Cristo, não passava de mais um combatente bom e generoso pela Humanidade, e um revolucionário crucificado. Há porém, um outro perigo, mais subtil: o de se ficar apenas com o Cristo Senhor glorificado, esquecendo o Jesus histórico de Nazaré, e o que ele queria e o que ele disse e fez, numa mensagem e comportamento que o levaram à Cruz.»
No início da sua vida pública na Galileia, Jesus começou por assumir o lugar vago deixado por João Baptista, entretanto encarcerado por Herodes Antipas (Lc 3,19-20). Porém, não agiu como João. Enquanto o Baptista permanecera no Jordão, atraindo peregrinos e gente disposta a receber um batismo de purificação, Jesus assumiu-se ele mesmo como o peregrino. Decidiu aproximar-se das pessoas, penetrando no seu ambiente e vida quotidiana. «Percorria as cidades e aldeias» (Mt 9, 35) levando a Boa Notícia do Reino de Deus.
A sua simplicidade é bem patente na escolha dos lugares que visitou. Sempre evitou os grandes centros urbanos da Galileia, tais como Tiberíades ou Séforis, onde rapidamente poderia gozar de fama e prestígio entre os seus habitantes mais proeminentes, nomeadamente magistrados romanos, nobres da elite herodiana ou até ricos comerciantes. Preferiu procurar o povo simples, sofrido, de mãos gretadas, e os marginais deixados à beira dos caminhos. Não receou visitar, até, lugares ‘proibidos’, tais como a Samaria (Lc 17,11; Jo 4,4) e as casas de gente de baixa reputação (Mt 9,10; Lc 19,5) e regiões perigosas evitadas pela população (Lc 8,26-29).
Historicamente, foi, sem dúvida, um homem movido pelo anseio intenso de encontro, tornando-se num foco de desejo e esperança dos mais abandonados, dizendo: «quem vier a mim, eu não o rejeitarei» (Jo 6,37), «vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei» (Mt 11,28). A sua alegria e espontaneidade cativava as crianças (Lc 18,15-17). Tratou as mulheres com dignidade, convidando-as a acompanhá-lo e integrarem a sua missão com o grupo dos discípulos (Lc 8,1-3). Defendeu-as, contradizendo até a Lei de Moisés, pois não aceitava que fossem repudiadas pelos maridos (Mt 5, 31-32)e exigia que os varões as tratassem com respeito, em espírito de igualdade e não de submissão (Mt 5,27-28). Não teve escrúpulos em ferir o orgulho varonil e patriarcal quando nomeava a vida quotidiana da mulher como modelo da ação de Deus: no trabalho de parto (Jo 16,21-22), na preparação do pão (Mt 13,33; Lc 13,20-21) e até nas tarefas domésticas (Lc 15,8-10).
Possuía um poder de observação profundamente apurado. Discerniu a falsidade dos doutores da lei e fariseus no exercício da sua moral impecável e da sua conduta exemplar, acusando-os de «podridão» (Mt 23,27). Onde muitos só viam culpa e escândalo, Jesus via amor e atenção (Lc 7,36-47). Onde os discípulos viam traidores à sua missão, Jesus via colaboradores (Mc 9, 38-40), e sempre que muitos aproveitavam a ocasião para condenar, Jesus via a oportunidade de proteger e libertar (Jo 8,3-11).
Se hoje ainda é ‘sensato’ acumular bens, Jesus denunciava-o como um ato de loucura (Lc12, 13-21). E se todos se deparavam com uma árvore seca e estéril, Jesus seria o único a insistir que ela ainda poderia dar fruto (Lc 13,6-9). Por isso, apreciava como ninguém os lírios do campo (Mt 6,28-30), as aves do céu (Lc 12, 24), os sinais do clima (Mt 16,1-3) e a fertilidade dos terrenos para a semeadura (Mt 13,4-9.18-23).
As pessoas foram sempre a grande prioridade de Jesus - mais ainda do que a religião. Para ele era inconcebível abandonar os pais na velhice por dedicação ao Templo (Mc 7,11-13). Era mais importante praticar «a justiça, a misericórdia e a fidelidade» do que pagar o dízimo do «cominho, do funcho, e da hortelã» (Mt 23,23; Lc 11,42). A prioridade passava antes na reconciliação com o irmão, do que propriamente a oferta no altar (Mt 5,24), ter um coração limpo, em vez das mãos purificadas (Mc 7,5-8), ou até saciar a fome do que cumprir as regras do sábado (Lc 6,1-5). Segundo ele, a fé e a religião servem sempre a pessoa humana, não o contrário: «o sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado» (Mc 2,27).
A sua vida foi também assinalada por amizades marcantes. Pelos evangelhos, constatamos que foi amigo de Lázaro de Betânia (Jo 11,11) e suas irmãs Marta e Maria (Lc 11, 38-42; Jo 11,1), Maria de Magdala (Mt 27,56; Lc 8,2; Jo 20,11-18), o mais provável de dois membros do Sinédrio: José de Arimateia (Mt 27,57) e Nicodemus (Jo 3,1-21; 19,39); amigo de Joana, mulher de Cuza (Lc 8,3a), Susana (v.3b), e outros ainda. Mesmo respeitado pelo povo como ‘Mestre’ (Mt 8,29; Lc 20,39), insistiu com os seus discípulos: «chamo-vos amigos» (Jo 15,15), mantendo uma afeição especial por Pedro, Tiago e João (Mc 5,37;14,33; Lc 8,51). E esta amizade, traduzida também como amizade por todo o género humano, levou-a até ao fim: «não há maior amor do que quem dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15,13).
Este é o Jesus de Nazaré em quem creio,
desejo seguir e cujo Senhorio anseio entregar-me.
Este é o nosso Jesus,
Nosso e de toda a humanidade.
Amén