Uma ética e uma esperança para todos
A ética (ou moral) pode resumir-se a um princípio muito simples e universal: «faz o bem e evita o mal». E muitos podem nortear as suas escolhas e decisões por aí. Hoje, persiste até no senso comum o preconceito subtil de que a moralidade é um assunto que nos remete ao passado dos velhos costumes, do puritanismo e de hábitos superados.
Afinal, se por um lado a era atual foi moldada pela revolução científica a par com uma população mais instruída, por outro lado a ética não parece ter desempenhado nenhum papel relevante nesse processo, e por isso, pode ser dispensada das grandes decisões que moldam a sociedade. Afinal, basta o conhecimento científico, técnico e lógico para resolver todos os problemas humanos.
Ponhamos à prova esta teoria: a ética nada tem a ver com a economia. Basta que os especialistas e agentes económicos saibam fazer as contas e garantir que os indicadores apresentem resultados de sustentabilidade. Porém, o que fazer quando se tentam conjugar necessidades ilimitadas (todos queremos bem estar, todos queremos mais bens e serviços) com recursos limitados?
Qual o instrumento que nos possa garantir a melhor opção? Uma fórmula matemática? Uma calculadora e uma folha de Excel? Será isso aceitável quando o que está em jogo são necessidades fundamentais da vida humana (alimento, lar, emprego, reforma,…)? E como faríamos a melhor distribuição da riqueza? Com que critérios? A solução é simples: uma boa dose de justiça.
Hoje há ainda quem fale de economia como uma questão numérica. Não. A economia é uma ciência social. Os cálculos e métodos da ciência económica são os seus meios, mas os seus fins somos nós, pessoas, gente de carne e osso!
Ora, bastou esta pequena análise para deitar por terra o preconceito de que a ética é uma redundância do passado. Se assim fosse então também seria verdade relegarmos para segundo plano a nossa felicidade, em nome de outras prioridades. Já agora, porque não a liberdade? E porque não, tanto daquilo que nos define enquanto seres humanos?
Penso que agora chegamos ao cerne da questão. A ética não é apenas assunto de normas e regras de conduta. Não é redutível a um poço de virtudes. Ela integra a nossa identidade mais elementar. A ética sempre foi e será a busca do sentido nas opções que nos humanizam. Gosto da raíz da palavra «ética» que deriva do significado grego original de «lar» ou «morada». A ética é o lar da humanidade. Fernando Savater afirma que a ética é «arte de viver», viver com sentido e em conformidade com a nossa condição humana. Por isso, parafraseando William Shakespeare, a ética é uma questão de serou não serhumano.
E na religião? Qual o papel da fé na ética?
A fé, ao contrário do que alguns pensam, não nos fornece normas ou condutas exclusivas ou separadas de outros sistemas éticos. Baseio-me no teólogo moralista Alfons Auer, para reiterar que a fé dá-nos um horizonte de sentido para lá do que vemos no imediato. Não sei o suficiente para descrever como um muçulmano, um judeu, um hindu, ou um budista encaram a realidade que os circunda. Mas tenho a certeza absoluta que a vêm com um sentido e esperança reforçadas. Com isto não quero afirmar de modo nenhum que uma pessoa religiosa seja eticamente superior a um ateu ou agnóstico. O que é exigido a um é exatamente o mesmo que ao outro, e não menos do que a humanidade que todos partilhamos (crentes ou não crentes).
Um cristão contempla a realidade, não apenas confinada nos seus limites factuais, mas capta-a com um olhar de Esperança da redenção em Cristo. A partir da sua ressurreição a humanidade já foi assumida e salva em Deus. Ela não é um projeto frustrado ou destinado a falhar.
Atualmente, o controverso filósofo ateu, Peter Singer, conclui que a ética, apesar de tantas contradições e tragédias do mundo, recomenda-se e está de boa saúde, pelo menos no que toca ao racismo e ao sexismo, no seu artigo intitulado ‘será que há progresso moral?’
Segundo o Arcebispo brasileiro de Teresina, temos também razões para nos esperançarmos e alegrarmo-nos, porque assistimos: «à valorização de aspetos constitutivos da pessoa humana como a consciência, a liberdade, a afetividade e a sexualidade; o resgate do papel e da dignidade da mulher; a emergência da consciência ecológica; uma melhor compreensão de diversos antigos problemas morais, com a ajuda das ciências psicológicas e sociais; a afirmação de uma ética da solidariedade através da atuação do voluntariado; o crescimento de organizações e iniciativas em defesa da vida e dos direitos humanos; os estudos e debates sobre problemas éticos complexos como os da bioética. Estes e outros aspetos constituem sinais de esperança na busca de uma ética autenticamente humana e cristã.»
Ora, se até um ateu e um cristão chegam à mesma conclusão, temos mesmo razões para concluir que a ética está longe de murchar ou passar de moda. Pelo contrário, ela cada vez mais se revela uma estrela em ascensão que dá frutos de uma nova humanidade.