Martin Luther King: memórias do profeta da liberdade (parte II)
Apesar de vários fracassos na luta não-violenta contra a discriminação racial, Martin levou a cabo o projeto «C» de «confrontação» na cidade de Birmingham em 1963. Ele e a sua equipa de ativistas inspiraram multidões a ocuparem cafetarias e lojas da baixa da cidade segregadas (reservadas para «brancos»). Depois seguiram-se Igrejas, a biblioteca municipal e outros locais públicos. Dezenas de pessoas foram detidas, incluindo Martin que deu a cara pela campanha. Os manifestantes pacíficos enfrentaram com dignidade mangueiras de água antimotim, polícia de choque e até a fúria dos cães-polícia. Toda a nação e o mundo assistiram à injustiça e violência do racismo sancionadas pela autoridade civil.
Nessa heróica cruzada pela igualdade, Martin afirmou: «Entendo que uma pessoa que viola uma lei que em consciência considera injusta, e está pronta a aceitar a pena de prisão para assim alertar a consciência da comunidade para essa injustiça, está na realidade a dar provas do maior respeito pela lei»
No mesmo ano, partilhou «um sonho» com milhares de pessoas no Lincoln Memorial em Washington:
«Tenho um sonho de que um dia nas vermelhas encostas da Georgia os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos donos de escravos conseguirão sentar-se juntos à mesa da fraternidade. (…) Tenho um sonho de que os meus quatro filhos pequenos irão um dia viver num país em que não serão julgados pela cor da sua pele mas sim pelo conteúdo do seu caráter»
Americanos de todas as raças e etnias aplaudiram e contagiaram-se com as palavras do profeta e em 1964 foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz.
A 2 de julho de 1964, depois de meses de pressão sobre o senado e o Presidente Lyndon Johnson, Martin conseguiu a promulgação da Lei dos Direitos Civis que acabou de uma vez para sempre com as leis racistas de segregação. Nunca mais houve espaços públicos reservados só para brancos ou só para negros e todos os afro-americanos passaram a exercer o seu direito de voto.
Contudo, Martin não descansou. A sua luta pela justiça e a igualdade assumiu outras proporções. Já não se dedicou apenas a defender comunidades afro-americanas. Mergulhou de cabeça numa luta contra a pobreza de tanta gente (negros e brancos) que vivia em condições sub-humanas. Atacou o sistema capitalista e criticou duramente o Presidente por perpetuar a guerra do Vietname, acusado de comunista e antipatriota.
Em 1966 decidiu mudar-se com a família para o bairro de barracas de Lawndale em Chicago, dizendo: «se me mudasse para Chicago, seria para ir viver no coração dos guetos. Assim, não só podia passar pelas mesmas experiências de vida por que passam os meus irmãos e irmãs, como podia viver com eles». Lá entranhou-se na vida de gente sofrida, marginais, gangues e traficantes de droga. Uniu a comunidade com uma campanha de promoção por uma habitação digna para tantos milhares de pessoas oprimidas pela pobreza extrema. Em 1968 viajou a Memphis para apoiar o sindicato dos lixeiros e na sequência dessa campanha foi assassinado na manhã de 4 de abril.
Na noite anterior, o profeta afirmou publicamente as suas últimas palavras:
«Sinceramente não sei o que vai acontecer agora. Temos alguns dias difíceis pela frente. Mas não estou interessado nisso agora, porque eu estive no topo da montanha. Eu não me importo…como qualquer um, gostaria de viver uma vida longa. A longevidade tem o seu lugar. Mas não estou preocupado com isso agora. Eu somente quero fazer a vontade de Deus e Ele permitiu-me subir até à montanha. E vislumbrei o outro lado e vi a Terra Prometida! Posso não chegar lá convosco, mas quero que saibam nesta noite que nós, como povo, chegaremos à Terra Prometida! Estou feliz nesta noite porque não me preocupo com nada! Não tenho medo de nenhum homem! Os meus olhos viram a Glória da Vinda do SENHOR!»
Bibliografia: «Eu tenho um sonho. A Autobiografia de Martin Luther King Júnior», Clayborne Carson (org.), Coleção Vidas, Bizâncio, Lisboa, 2003