Guardiões uns dos outros
Sentar-nos e escutar. Olhar olhos nos olhos e exprimir atenção e cuidado.
Eis um dos actos sagrados do mundo e da convivência humana.
E quanta sede latente ou manifesta desta mesma escuta e acolhimento!
Talvez nos falte essa arte de quem acolhe cada pessoa como única e irrepetível, com sonhos tantas vezes escondidos e medos que não são revelados, que tolhem a pessoas e a deixam parada na vida.
Talvez nos falte a arte de entender que cada encontro é a possibilidade de um novo nascimento, a possibilidade de retirar as teias dos olhos e nos podermos encantar com a verdade profunda de cada pessoa.
Ainda assim, teimamos em caminhar com a mala de pré-conceitos, convencidos que somos de que realmente conhecemos as pessoas, boicotando a genuína cultura do encontro. Ainda mais, quando falamos dos nossos mais íntimos e próximos.
Talvez nos falte a coragem de abrir a porta do coração e acompanhar os silêncios ou as lágrimas de quem muitas vezes na luta da solidão só precisa que lhe emprestemos os ouvidos. Tarefa gratuita e quantas vezes o remédio para as feridas que teimam em permanecer abertas.
Podemos fingir que não vemos, podemos encher a agenda de mil tarefas, podemos até enganar-nos a nós mesmos e dizer(nos) que não temos jeito para isso.
Porém, acolher pela escuta não é um acto heróico ou predestinado a algumas pessoas. É um acto que podemos treinar e tornarmo-nos realmente naquilo que somos: guardiões uns dos outros.