A Natureza não Ama
Deus é Amor.
Se o mundo fosse tão simples, não teria que escrever mais. A explicação seria infrutífera porque estaria a tentar completar algo que já é completo, como quem tenta completar um corpo já formado. Se o mundo fosse tão simples, esta divina máxima traria luz sobre os nossos olhos e não seríamos os mesmos quando a ouvíssemos. Se o mundo fosse tão simples ao ponto de compreender esta luz tão concreta, tão verdadeira, tão vocacional, não seria o nosso mundo. Se o mundo fosse assim tão simples, nós não o habitávamos e não haveria o mal.
A crentes e não crentes, aos meus conterrâneos, amigos do mesmo solo, respirantes do mesmo ar, aos meus irmãos e irmãs que sofrem a mesma dor de não saber o que fazer na vida, que, por mais alienados com coisecas que estejamos, esbarram, como eu, sempre na mesma questão central: O que é Deus? Convido a, com simplicidade, pensar.
Deus parece ser inexplicável porque, a uma vista superficial, não cabe no mundo. Tudo na natureza nasce e morre, volta a nascer e volta a morrer. Tudo tem vigor e decadência. Há beleza no cimo da montanha que trespassa uma cama de nuvens dando ares de um consílio dos deuses. Há um horror no corpo inerte e desfeito de um veado deixado à putrefacção, rodeado de insectos, de vermes escuros e maus. Há brisas leves que equilibram um calor que nos aconchega junto a uma praia perdida no meio de uma trégua sagrada com o tempo. Há umas chuvas que rebentam geladas no chão e chocalham o mundo com bramidos funestos de raios iracundos. Onde está o infinitamente belo no meio de tudo isto?
O Amor parece ser inexplicável porque, a uma vista superficial não cabe no mundo. A paixão, por muitos descrita, aparece-nos com uma certa concordância. É muito provável que, quando duas pessoas falam em paixão, estejam a apontar em direcção a sentimentos substancialmente semelhantes. É um rebentar num peito, é um fogo quente, é uma nuvem leve, é uma brisa que aconchega. Igualmente, olhando o ódio face a face, ousaria dizer que é, provavelmente, o sentimento mais bem definido, mais consensual para o qual os seres humanos apontam. O ódio é um trovejar constante na alma desprotegida, é a putrefacção de um coração outrora vivo. Há muitos que odeiam em nome de Deus, mas Deus é Amor, logo, não é ódio.
Não escolhemos a paixão, ela é uma mina, que pode ser boa ou má, e que pisamos no caminho da vida. Não escolhemos o ódio, não escolhemos a chuva, não escolhemos a brisa, não escolhemos o sol ou a lua, a montanha, o solo fértil, as árvores, as pessoas que vivem, as que morrem. Não escolhemos viver. Tememos morrer. De todos os sentimentos que dizemos ter, todos parecem ser naturezas com as quais esbarramos, naturezas impregnadas desse tempo que é tão natural. Um ódio tem tempo, uma paixão também.
Só o Amor parece ser uma escolha que fazemos. Uma escolha, acompanhada de muitos sentimentos naturais, que temos de fazer todos os dias para o sentir. O Amor rebenta com o tempo. Ele faz-nos aceitar as chuvas, os trovões, a luz, a escuridão. O Amor dá sentido à vida. O Amor aceita a morte. O Amor faz-nos agir fora da natureza e longe dos seus processos.
Só pode ser esse o caminho para Deus que, tal como o Amor, não é do mundo terreno, não é natural, mas encontra-nos aqui e agora para que possamos escolher livremente e, desta maneira, ver e entender que o tempo não nos amarra e que ainda só conhecemos a parca gruta da qual o corpo não sai.
Uma vez que vemos uma nesga de Luz daquilo que Deus É e que o Amor revela. É inexplicável a explicação e incompreensível a clareza.
Deus é Amor.