Profetas da Bíblia – parte I
Desde as eras mais remotas, todas as tribos ou comunidades civilizadas recorriam a adivinhos e xamãs para conhecerem o destino ou discernirem a vontade divina. É contudo na Babilónia, na cidade de Mari, aproximadamente no séc. 18 a.C., que deparamos com os primeiros vestígios de homens místicos e inspirados cuja influência foi notável: comunicavam oráculos relacionados com a situação do povo, a conduta dos reis e questões éticas e religiosas que tocavam na consciência coletiva de uma nação. Não agiram com interesse próprio e muito do conteúdo das suas revelações veio a influenciar significativamente o decurso dos acontecimentos.
A partir daqui é possível esboçar uma primeira ideia de profeta.
Não é um iluminado nem um eremita alheio ao mundo. Não basta dizer que é somente um adivinho ou vidente. O profeta autêntico vê sempre mais além porque não vive desintegrado do seu mundo. Ele entra em cena como um conhecedor profundo das pessoas do seu tempo, contudo interpelado por uma palavra que supera as circunstâncias contemporâneas. Por isso mesmo, torna-se capaz de discernir uma história que ainda não foi escrita nem lavrada.
Segundo A. Couto, na cultura bíblica o termo profeta indica uma pessoa profundamente enraizada, dependente e movida pela Palavra de Yahveh. O profeta não surge por iniciativa própria. A atividade profética é tão invulgar e singular que nunca vinga como profissão, nem gera uma classe ou casta. Pelo contrário, emerge como um sinal de contradição, desconforto, denúncia e oposição.
Se alguém fala em nome próprio ou é o maior beneficiado pelos seus oráculos, então é um falso profeta. Estes têm um começo em si mesmos. Porém, o profeta genuíno nasce da vocação e da iniciativa de Deus. E nenhum escolhe profetizar. Escolhido, acaba perseguido, incompreendido e, muitas vezes, assassinado.
Consagrado emissário de uma PALAVRA ATIVA, a sua eleição é geralmente introduzida na expressão: “Veio a Palavra de Yahveh sobre…”. Trata-se de uma frase emblemática que percorre toda a Bíblia, nomeadamente no discurso profético, e mais conhecida como “fórmula de acontecimento”. Note-se bem: acontecimento…
Os profetas não transmitem apenas palavras. Tornam-se artífices de eventos. São muito mais “fazedores” que “pregadores”. A Palavra que veiculam é criadora e rasga autoestradas de sentido, futuro e esperança. A eleição de profetas é sempre sinal de mudança histórica, um marco definitivo de salvação.
É mais belo constatar que os profetas bíblicos surgem num tempo ainda muito incipiente e ameaçador.
O imaginário hebreu vivia ainda muito enraizado em tradições ancestrais e costumes politeístas que dominavam os hábitos quotidianos dos palestinenses e cananeus. Para eles, Yahveh não era ainda o Deus Único. Apesar de ser o seu Deus, continuava a ser ‘um’ entre muitos. ‘Um’ numa multidão e confusão de divindades tão poderosas, atraentes e auspiciosas: deuses e deusas que prometiam riqueza, saúde, paz, fertilidade, chuvas para as colheitas, descendência,…
A era dos profetas bíblicos inicia-se com um povo que desconhece ainda o Deus que o elegeu, ainda a meio caminho do monoteísmo, praticamente despido de Escritura, inebriado pela exuberância de ídolos estrangeiros. Israel, minúsculo no mapa das nações, vive também numa época marcada pela aparição de impérios mais vastos e beligerantes que o Egito. Superpotências que devoravam culturas e povos, obliterando-lhes o seu passado, religião e identidade.
Este tempo tão conturbado, que pressentia perigo de extinção para o povo de Israel, converteu-se, afinal, num tempo de GRAÇA. Oportunidade para Deus irromper na história das nações com o Seu Rosto Salvador e “estender a sua Direita” – expressão literária que indica ação forte e determinada – para moldar de uma vez para sempre um mundo novo com uma Mão cheia de profetas.