Quando tudo é fundado no silêncio
Temos medo dele. Fugimos dele. E, no entanto, carecemos deles como de pão para a boca.
Convidá-lo a estar connosco é, nos nossos dias, quase um acto de heroísmo. Mas é – e muito!- um acto de saúde em todas as dimensões. Mais do que isso: é um acto de quem busca a plenitude no aqui e agora! Essa mesma que não pertence a um momento eufórico, de êxtase pontual, passageiro e epidérmico, mas onde a nossa existência ganha um sentido profundo e nos vemos parte íntima e única da criação.
As decisões mais estruturantes da nossa vida reclamam a sua presença, de uma forma contínua.
É um mundo onde nenhuma palavra chega, mesmo a que ainda não se inventou. É um mundo onde até as palavras caladas sobram.
O silêncio é um amigo poderoso e teimoso. E que bom que assim é! Banhados que andamos de ruídos procurados ou que vêm ao nosso encontro, do silêncio nos lembramos já só quando a cabeça lateja, as vozes atrapalham e se atropelam, já só quando nem conseguimos discernir as fontes desses ruídos mas carregamos um vazio crescente que nenhuma voz ou palavra pode preencher.
Creio que o caminho do silêncio é aquele que nos permite saborear profundamente a vida. Nem sempre exteriorizar o que vemos e sentimos é uma atitude amorosa connosco próprios e com os que convivemos. O verdadeiro silêncio não castra as palavras nem as atitudes. Sabe encontrar o papel de cada uma. E sabe assumir o seu próprio lugar numa vida desfocada do essencial.
Não tenhamos medo de remover as entranhas, arrumar as gavetas, conviver com a nossa vulnerabilidade. Essa, que o silêncio nos revela. É aí, nesse tempo (in)finito que também percebemos a grandeza de uma vida fundada no silêncio.