Do olhar límpido e sereno
Precisamos de recuperar a pureza: a de pensamentos e intenções. A dos actos.
A adultez pode tirar-nos a capacidade de ver no outro um igual, uma irmã e um irmão. Um semelhante.
As crianças olham tudo com encanto. Nada nem ninguém é ameaça. Por isso os vemos tão frágeis: uma mão que se coloca num lume a arder sem conhecer o risco, um abraço num cãozito, o chapinhar nas poças de água até à constipação, um lego que se mete à boca sem saber da possibilidade de se engasgar …não tendo a noção do perigo, as crianças oferecem-nos a possibilidade de um olhar puro.
Crescemos e criamos defesas. Umas boas e outras menos boas. Poderemos ficar demasiadas vezes de pé atrás, morrendo por dentro e nas nossas relações, por overdose de desconfiança.
Sempre me emociono quando passo por uma criança e ela me sorri ou acena sem me conhecer de lado nenhum. A inocência tem disto.
Precisamos de recuperar a pureza. Aquela que nos coloca diante de um outro com a confiança de quem quer acolher e não com o medo de que o outro se converta numa ameaça.
Precisamos de olhares límpidos e serenos para que a realidade do mundo se vista de cores e de esperança.
Teresa de Liseux fala-nos que na perfeição há muitos graus. Porque não eleger o espaço da perfeição que a todos acolhe e integra, como se uma só pessoa existisse no mundo? Formados da mesma matéria – carene e osso -, tocamos o mesmo chão, vivenciamos a vulnerabilidade e a finitude, respiramos do mesmo ar e sentimos o calor do mesmo sol.
A adultez, mais do que uma condição, pode transformar-se numa doença.
Precisamos de recuperar o encanto e a pureza.