Os adultos que não somos
Os adultos que não somos não cresceram. Deixaram cair a aparência de crianças e de miúdos com ténis por apertar e transformaram-se em pessoas aparentemente capazes de conviver civilizadamente. Tornaram-se condutores, professores, empregados de balcão, funcionários de atendimento ao público, jornalistas, escritores, apresentadores de televisão, presidentes disto ou daquilo, diretores, advogados e tantas outras coisas que, às vezes, não cabem nas etiquetas desta ou daquela ocupação.
Os adultos que não somos tornaram-se adultos na casca do que são por fora, mas não foram capazes de se deixar evoluir internamente. Interiormente. Ali naquele lugar a que muitos chamam a alma. Obrigámo-nos a fazer o que nos disseram que seria útil, tornámo-nos arrogantes e deixámos de precisar de quem quer que fosse. Chegámos até ao degrau da vida adulta e da vida profissional, mas não somos suficientes. Não fazemos o que devíamos. Não somos o que nos prometeram que seríamos. Temos uma casa, mas, do lado de dentro, incendeiam-se ruínas. Temos um carro, mas, na essência do que somos, vamos a pé. Coxos e sem bengalas. Temos um trabalho, mas, dentro da alma que dorme debaixo da nossa pele, não fazemos a mínima ideia do que andamos a fazer.
Os adultos que não somos são os que estacionam em segunda fila e ainda ficam ofendidos se alguém ousar bater-lhes no vidro, implorando um desvio ténue do seu egoísmo triste.
São os que fazem questão de ofender, de gritar e de ferir quem ousar contrariar as suas vontades mais vincadas. São os que manipulam, agarram pelo pescoço, distorcem verdades e assustam os que não cumprem os seus desejos mais urgentes.
São os que mentem para salvar a pele. Os que pisam o sucesso dos que lhes fazem sombra. Os que dormem à sombra de um iminente fracasso alheio.
Os adultos que não somos têm ainda muito que aprender se quiserem chegar aos calcanhares de uma criança qualquer.