Como é que se aceita o que não se esperou?
Parece que o universo nos tem posto à prova. Tal como naqueles dias de Verão em que brincávamos no mar ou na piscina com os amigos ou os primos. Havia sempre alguém com a ideia tonta de empurrar a cabeça de alguém para baixo de água. E naqueles milésimos de segundo, entre a luta e a brincadeira, havia uma sensação de adrenalina que nos prometia que voltaríamos à tona.
É assim que nos temos sentido nos últimos dois anos, desde que o COVID resolveu abanar, sismicamente, as vidas de todos nós. A verdade é que ainda não nos recompusemos. Ainda não digerimos, ainda não ultrapassámos e ainda não sabemos, ao certo, falar sobre o que nos cilindrou. Também ninguém se preocupou muito com isso. Todos nos incentivaram a andar para a frente. Siga. Que a música não parou nunca de tocar.
Ontem atropelou-nos mais um evento extremo. Água por todo o lado. Como se a cidade e o mundo não soubessem já onde guardar tantas lágrimas. Eram as nossas também. As que não chorámos. As que não sabemos chorar. As que deixámos que nos entupissem as sargetas de dentro. O caos. Sirenes e luzes azuis. Num filme já visto antes. Quase ténue, mas, ao mesmo tempo, tão vivo.
Ainda as pessoas se estão a erguer de uma pandemia e o coração da cidade já desfeito, novamente, como se tivesse sido retirado da boca de um cão raivoso. E as pessoas, as mesmas de antes, cá estão a tentar lidar com um depois que não se sabe como vai ser. Nem quem paga. Nem quem se responsabiliza. Nem quem quer saber.
Parece que esta “sina” não nos larga. E lá vem aquela mão a colocar-nos a cabeça de baixo de água outra vez. Mas não faz mal. Entre aqueles segundos de luta e adrenalina, há uma sensação familiar que ninguém nos rouba:
Mais momento menos momento voltamos à tona outra vez.
Mesmo que não consigamos aceitar o que nos vai derrubando, que consigamos sempre vir à superfície para respirar.