O stress das férias
Clássicos de Verão? Trabalhar como um doido até ao último minuto antes de partir para férias! Não ser capaz de desligar o computador nos primeiros dias e, por vezes, não chegar a desligar a cabeça durante todas as férias, especialmente quando são curtas. Discutir mais com a família, em particular com quem se ama. Estar sem paciência para os filhos. Não aguentar as filas nos supermercados e, muito menos, os engarrafamentos para chegar à praia.
Estes e outros tesourinhos mais ou menos deprimentes marcam o início e parte das férias de muita gente. É cada vez mais difícil desligar e deixar de ver mails ou manter os telemóveis em modo de voo. Isto, claro, para não dizer que para muitos se tornou impossível deixar os smartphones em casa, quando saem para a praia ou, até, para uma simples caminhada ou corrida de fim de dia. No escritório, nos serviços e em algumas organizações ainda se espera que certos directores e colaboradores estejam sempre ligados, mas é um absurdo que assim seja.
Durante vários anos fiz parte do júri do “Prémio Empresa Mais Familiarmente Responsável”, patrocinado pela AESE em parceria com a Deloitte, criado para distinguir as empresas familiarmente mais responsáveis e com melhores práticas de conciliação familiar. Foram anos de verdadeira surpresa pois embora a conciliação ainda não seja uma cultura dominante no nosso país, já é uma cultura emergente com expressão e impacto nos resultados e nos lucros. Entre milhares de candidaturas contavam-se pequenas, grande e médias empresas muito orgulhosas das suas boas práticas e confesso que houve anos em que a escolha do júri foi difícil.
Passada uma década, voltei a lembrar-me deste prémio por haver tanta gente tão stressada antes e durante as férias. Dei comigo a ler artigos sobre o tema, com conselhos avisados de especialistas na matéria. Deixo aqui um breve enunciado que me fez sentido e pode, porventura, fazer sentido a quem gere eficácias e decide estratégias, mas também a quem é vítima de alta ansiedade e vive em cúmulos de stress.
Patrick Amar, autor do livro “J’arrête de stresser: 21 jours pour changer”, citado pela revista francesa Psychologies, dá conselhos práticos e realistas a quem sofre por excesso de preocupações.
Planear as férias como planeamos um projecto profissional pode ser vital, seja quando se trata de férias previsíveis, na mesma casa de sempre, seja quando se parte à aventura, numas férias cheias de improvisos e abertas à mudança. Mesmo para quem parte neste modo, se puder existir um planeamento prévio que antecipe erros ou falhas e, já agora, contemple alguns ‘planos B’, a aventura sabe melhor. Sei que até um jovem que se prepara para um inter-rail sabe isso, pois as ligações de comboios entre destinos, bem como a decisão de viajar à noite ou de dia, são opções radicais que fazem toda a diferença, e por isso nada disto é realmente novo, mas por vezes sabe bem voltar ao básico e pôr algumas coisas em perspectiva.
Todos sabemos também a importância de gerir expectativas realistas, não apenas no escritório, mas na vida. Embora tenhamos consciência da importância desta gestão, nem sempre a aplicamos aos tempos livres e muitas vezes partimos para férias com expectativas irrealistas sobre um tempo teoricamente passado ‘sem fazer nada’. Não há maior erro do que esperar esse dolce fare niente, quando sabemos que muitas vezes acabamos por trabalhar mais e viver dias e noites mais agitados precisamente por estarmos de férias. Mais: nas férias, os pais e os filhos, bem como os casais e os amigos, passam muito mais tempo juntos do que estão habituados ao longo do ano e também isso pode dar origem a alguns confrontos iniciais.
Quem aluga casas e espaços que não são hotéis com serviço incluído em regime de pensão inteira, sabe muito bem o trabalho que dá acomodar-se e tratar diariamente das compras no supermercado, bem como cozinhar (nem que seja fazer sanduiches ou wraps para a praia), arrumar, limpar e manter o espaço vivível. Muita gente prescinde de alguns confortos a que se habituou em casa (onde tem empregada doméstica, nem que seja por umas horas), mas também no trabalho, onde tem cantinas ou restaurantes, e passa a ter que fazer tudo durante as férias. Não é drama nenhum e até pode ser divertido, mas também pode ser fonte de discussão e motivo de erosão na família ou entre o grupo de amigos.
Cozinhar, arrumar, ir às compras, vencer filas de trânsito e filas no supermercado, mais o desgaste de procurar lugar para estacionar perto da praia poder ser uma fonte de stress diário. E pode ter um impacto negativo em certos dias e horas. Nesta lógica, gerir expectativas realistas pode passar por estabelecer regras à partida tais como “quem faz o quê e quando”, mas também por tentar perceber se vale a pena prescindir de certas coisas a favor de outras. Falo de ajudas em férias, sejam baby sitters ou alguém para para aliviar certas tarefas.
Cada um sabe de si e a casuística de férias é um mundo fascinante, mas há clássicos eternos que podem ser evitados ou, pelo menos, minimizados se as prioridades forem bem geridas em férias. Nomeadamente se formos capazes de desligar telemóveis e computadores, valorizando acima de tudo a qualidade do tempo que passamos com quem gostamos. Este tipo de prioridades também encaixa no planeamento inicial, pois implica uma conciliação estratégica que pode exigir uma conversa prévia com o chefe, na empresa onde trabalhamos. Passa por assumir que em férias não vamos trabalhar ou, no caso imperativo de haver prazos e afins, por estabelecer um par de horas por dia em que ficamos disponíveis para atender telefonemas e responder a mails. Mas não mais que um par de horas.
Voltando aos conselhos dos especialistas, que também a mim me interessam, Patrick Amar fala dos lendários procrastinadores (detesto esta palavra, mas enfim) e adverte: se puderem não adiem nada para fazer na volta das férias!
Ou seja, a tentação de empurrar com a barriga e adiarmos aquilo que pode ficar feito antes de partirmos, pode revelar-se trágico e altamente desmotivador quando retomamos as rotinas profissionais. Isto porque, depois de um tempo em que supostamente conseguimos descansar e descontrair nunca apetece voltar aos problemas e às coisas de trás, por assim dizer. Tal como o atleta que corre na pista e supera barreiras, procurando sempre chegar ao obstáculo da frente, também nós nos movemos projectando o futuro. Ninguém gosta de voltar ao obstáculo de trás, repetir o que já podia ter ficado feito, retomar um dossier velho que podia ter ficado arrumado antes das férias.
Neste particular da inclinação à procrastinação (só o conceito já enerva, de tão universalmente repetido) há um conselho que também não sendo novo, é vital: quando viramos as costas aos problemas eles não desaparecem, muito pelo contrário, aumentam! Assim sendo vale a pena dar crédito a quem estuda estas matérias e, acima de tudo, o impacto que certas atitudes têm na eficácia e resultados, mas também no bem estar e na qualidade de vida. Nosso e dos outros.
Hoje em dia quase todos temos atenção aos mails e deixamos mensagens automáticas a informar que estamos de férias, mas nem sempre nos lembramos de deixar um contacto alternativo de alguém que nos possa substituir em caso de urgência. Vale a pena identificar essa pessoa de retaguarda, digamos assim, que nos pode substituir se houver alguma emergência.
Um último conselho: arrumar, limpar e até depurar o escritório antes de férias. E quem diz o escritório diz o espaço de trabalho, seja ele como for e onde for. Isto porque quem limpa a secretária e arruma os papéis e objectos também está a arrumar a cabeça e a deixar espaço livre para os dias que se seguem. Para esse tempo de férias em que é imperativo desligar e criar distância. Voltar de férias para arrumar o que ficou desarrumado nunca é boa estratégia e gera um cansaço imediato, como dizem os experts.
Na verdade nem precisaríamos que nos lembrassem nada disto, pois a experiência de não planear, não estabelecer prioridades, não desligar, não ter ajudas e não criar espaço nem tempo é tremenda e compromete-nos sempre a rentrée.
[©Laurinda Alves | ©Observador]