A bondade do papa Francisco, por Clara Ferreira Alves
«Nada aproxima as pessoas, ou derrete a farpa de gelo no coração, como a beleza ou a bondade. A bondade, como a beleza, está estampada no rosto»: é a partir desta declaração que Clara Ferreira Alves "desenha" o perfil do papa Francisco, em crónica publicada a 12 de maio no "Expresso Diário".
A jornalista recorda que «Jorge Bergoglio vivia entre os pobres e os criminosos, e deste período de frugalidade e meditação, de perseguição e dor, retirou os ensinamentos de Cristo sobre a resistência ao sofrimento e ao medo».
«A sua bondade, creio, vem daqui. Vem de dentro, do centro, dessa qualidade intemporal que não se confunde com o humanismo porque o transcende, incorporando tudo, todo o mundo conhecido e desconhecido, todos os seres vivos e mortos, toda a matéria e antimatéria, numa compaixão universal e transcendental. É um sentimento que reforça a menoridade e enfraquece e amortece a maldade. A essência canónica do perdão», assinala.
Recusando afirmar que o papa «é o representante de Deus na terra, definição de petulância e de ignorância», Clara Ferreira Alves sublinha que «Deus, ao contrário dos homens, não se faz representar quando não pode estar presente. Não passa procurações. Nem atestados».
«O Papa Francisco é apenas um homem como os outros, dotado de uma bondade que não aspira a ser divina e não vacila perante a dificuldade e o obstáculo. O Papa Francisco é dotado de bondade como outros são dotados de beleza. E estas duas qualidades fazem parar o mundo em contemplação ou fazê-lo avançar por emulação», observa.
No texto intitulado "Horae canonicae", a escritora assinala que «a bondade é uma inspiração que protege o lobo que quer devora o lobo. É, por fim, uma qualidade da inocência, a inocência que num mundo ideal, menos humano e mais divino, menos impuro, deveria ser uma qualidade presente durante o tempo de vida».
«A perda da inocência perde-nos. Poucos são aqueles que aos 80 anos se podem dizer inocentes. Daí que o Papa atraia crentes e descrentes e os incorpore na sua bondade além-fronteiras», destaca.
Antes de concluir, Clara Ferreira Alves nota que o papa Francisco «não é um santo», mas pecador, como todo o ser humano: «Os santos, como os papas mortos, pintados por génios, são a duas dimensões. Este Papa está vivo, está no meio de nós, a três dimensões. Podemos abraçá-lo, ouvi-lo, vê-lo. Rir e chorar como e com ele. Rezar com e como ele».