Que Natal nos espera? Depende de quem esperámos

Liturgia 24 dezembro 2017  •  Tempo de Leitura: 5

O que esperamos do Natal e o que festejamos a 25 de dezembro? O frenesim com que vivemos as semanas anteriores à festa mais popular no nosso país, para crentes e não crentes, fala-nos de presentes e de flashes de bondade numa vida ameaçada pela rivalidade diária; evoca intimidades familiares numa sociedade que parece ter perdido a sua centralidade; promete descanso e lazer mas orienta-se para uma cada vez maior eficiência laboral.

 

E no entanto, são precisamente os hábitos sociais em mudança que deveriam reconduzir os cristãos ao essencial da sua fé e a tomarem consciência de que a qualidade do seu Natal depende de como alimentaram a sua espera do Senhor que vem.

 

Teremos um Natal cristão se tivermos sido capazes de viver um Advento cristão, porque a dimensão de fé da celebração do nascimento de Jesus Cristo em Belém depende de quem esperámos durante longas semanas, do género de desejo que habitava as nossas orações e as nossas ações, da vinda que nos preparámos para acolher.

 

Contemplemos as esperam narradas pelos Evangelhos que descrevem o nascimento de um menino da casa de David. Maria e José vivem uma expetativa humilde e tenazmente ligada a uma promessa simultaneamente longínqua e próxima, que se estende desde a raiz de Jessé à virgem de Nazaré, espera de um povo inteiro que se faz obediência dos pobres às palavras dos mensageiros de Deus, solicitude em guardar no coração o inaudito que irrompeu nas suas vidas. Peregrinos da esperança, sobem a Belém em resposta dócil a uma ordem do imperador e aí, numa manjedoura, a presença de Deus dispõe a sua tenda numa carne humana.

 

Os pastores, na noite, aguardam ansiosamente a aurora de um novo dia, porque a noite só traz frio e perigos para os seus rebanhos e tira-lhes o sono. E, naquela escuridão que os isola, ouvem o convite dos anjos a ir ver uma luz preparada para eles, escutam palavras que dão glória a Deus e anunciam paz e salvação a todos, começando pelos últimos, primeiros destinatários da boa notícia.
 

Entretanto, em Jerusalém, o rei Herodes não espera nada, antes exige: para ter aquilo que quer, com efeito, basta-lhe dar ordens. No entanto aí, no coração da cidade “visão de paz”, na segurança dos muros do seu palácio, teme um recém-nascido capaz de o depor, um príncipe da paz de que ignora a existência mas intui o poder disruptivo.

A ele se dirigem os magos, depois de terem percorrido os caminhos que unem Oriente e Ocidente, pedindo uma confirmação para a sua procura: escrutinar o céu não é um fim em si mesmo, mas vigilância que dispersa os poderosos nos pensamentos dos seus corações, intui o invisível, reorienta o caminho e permite reconhecer num bebé junto da sua mãe o esperado dos gentios.

 

No templo Ana e Simeão esperam apenas abandonar-se nos braços daquele Senhor que serviram toda a vida e descobrem que antes desse “deixarem-se ir” confiante, recebem o dom de serem eles a tomar entre os braços a luz para a revelação aos gentios e a glória de Israel. Antes deles, nesse mesmo templo, Zacarias tinha esperado mudo e desnorteado que uma voz tomasse corpo no ventre estéril de Isabel, sua mulher, e se tornasse profeta do Altíssimo, precursor da bondade misericordiosa de Deus.

 

Sim, muitas e diferentes podem ser as esperas, e a sua natureza e qualidade determina o acolhimento que reservamos ao Messias que vem e a bênção que dele recebemos. A cada ano o tempo do Advento interpela-nos sobre a nossa espera vigilante e a cada ano o Natal surpreende-nos com a inefável misericórdia de Deus.

 

Se tivermos sabido alimentar de Cristo a nossa espera, receberemos como dom a compreensão do Natal como afirmação humilde e resoluta de Deus que se fez homem porque muito amou o mundo. Isto tornará os cristãos capazes de narrar com a linguagem da nossa cultura em permanente mudança a perene “boa notícia” que respeita a toda a humanidade: o nascimento de Jesus é abraço entre justiça e verdade, é encontro fecundo entre Céu e Terra, é esperança e promessa de paz e de vida plena.

[Enzo Bianchi |In SIR]

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