Inocência
«A inocência não é uma perfeição da qual se deva desejar o regresso. Desejá-la, com efeito, significa que já se perdeu. E então é um novo pecado perder o tempo em desejos.»
Festa dos Santos Inocentes, 28 de dezembro: a liturgia evoca o sangue derramado em torno do berço de Jesus menino, símbolo de um rasto infame de violências que atingem os inocentes de todos os tempos, estriando de lágrimas e sangue a história da humanidade.
De outro género é a reflexão que hoje propomos, baseando-nos num passo de “O conceito da angústia”, de Søren Kierkegaard, filósofo dinamarquês do século XIX. Leiam-se atentamente aquelas três frases.
A primeira recorda-nos que a inocência não é mera ausência de culpa, mas plenitude e perfeição de vida, de fé e de amor. Por isso é antes de tudo um dom, uma graça. Segundo: se sentimos o desejo e a nostalgia, é sinal de que a perdemos, e portanto não é em nós quietude e serenidade, paz e confiança.
Terceira observação: aqui chegados, é inútil perder-se em melancolias e suspiros; é necessário, ao contrário, voltar a pedir a graça a Deus e a preparar o espírito para que acolha a inocência dada de novo.
Como confessava numa carta o escritor católico francês Georges Bernanos, «perdi a inocência e não a poderei reconquistar a não ser através da santidade».
É abrindo-nos a Deus, à sua luz e à sua ação que o nosso coração voltará a ser inocente, puro e transparente como uma fonte.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]