Acredito?

Liturgia 3 fevereiro 2018  •  Tempo de Leitura: 3

Assemelha-se ao interminável trabalho das funções domésticas. Todos os dias se transforma a matéria-prima numa refeição, lava-se, limpa-se, arruma-se e passa-se a ferro. Sabemos que o ciclo agora terminado é o princípio de um outro, numa espiral de ciclos sem fim. Contrariando esta dinâmica, em matéria de experiência espiritual, alguns dizem: «Já somos católicos, vivemos num país de maioria católica, estamos já feitos, o assunto está arrumado. Nada de novo…». Aprendemos, de facto, que o sacramento do batismo imprime um carácter definitivo, isto é, deixa para sempre uma marca na vida do batizado, mas não podemos dizer que, por si só, o primeiro dos sacramentos faça de nós crentes. Persiste a pergunta: Crentes de quê e de quem? Em quem acreditamos? Ainda são necessárias as mãos que nos batizaram? Ainda faz sentido retomar a palavra antiga, herdada das gerações passadas, com o intuito de lhe dar vida nova e desta forma resgatá-la do templo onde se arrisca a ficar emoldurada como uma velha relíquia de um belo museu?

 

«Acreditar ou não acreditar: essa é a questão mais profunda na história do mundo, a única e verdadeira questão, e a mais importante de todas», escreveu Goethe. Tudo começa, de facto, quando o homem diz, livre e conscientemente, por vezes depois de uma longa batalha interior, «eu acredito». Esta afirmação supõe, como no caso de Job, a rejeição de um falso deus. É preciso que o crente repita, muitas vezes, «eu não acredito» para acreditar com verdade. Percebemos, assim, que o ato de acreditar torna-nos humildes peregrinos porque nos desafia a participar num processo inacabado de reescrever uma história a partir da palavra intemporal. Percebemos que alguns sentidos dessa palavra ou as expressões de outros tempos são hoje desadequados. Afastamo-nos naturalmente da palavra fácil, sempre pronta a ser repetida, de um Jesus adocicado, glosa pobre da Palavra rica e austera do profeta do Evangelho de Marcos, o Homem-Deus de abundantes gestos libertadores, Aquele que se retirava frequentemente para lugares isolados para orar. Afastamo-nos naturalmente, uma e outra vez, da tentação de recorrer à palavra forte e pura, como se fosse uma nota de rodapé de uma estratégia para oprimir os outros.

 

Acreditar é deixar-se entrelaçar pela Sua palavra. É aceitar que ela faça o seu caminho em nós. Só ela tem o poder de nos transformar e nos resgatar do espírito maléfico que suga o melhor da alma humana. E percebemos a urgência do Mestre da Galileia: «Vamos para outro lado» como quem diz «retomemos o processo, esta obra nunca está pronta». Só a Palavra acolhida repara a imagem de Deus em nós. Uma e outra vez. Se acredito, a proposta da eternidade materializa-se em mim. Acredito?

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail