Esta é a nossa fé!

Liturgia 1 abril 2018  •  Tempo de Leitura: 3

Num velho ícone pintado por algum artista da igreja ortodoxa cujo nome só Deus conhece, é possível seguir os passos da vida de Jesus ilustrados em pequenas gravuras: a anunciação do anjo a Maria, o nascimento em Belém, a apresentação no Templo, etc. «São as solenidades da igreja ortodoxa», disseram-me. O conjunto é formado por 14 gravuras dispostas em torno de uma maior, a de Cristo Ressuscitado, que se encontra envolto numa luz de ouro (com os pés sobre o que parece ser uma cruz) a segurar a mão de um homem que sai de um túmulo.

 

A imagem singela pintada sobre a madeira tosca e antiga diz muito sobre o mistério que celebramos nestes dias. A centralidade de Cristo ressuscitado é uma extraordinária profissão de fé que nos interpela e nos desafia a colocar no centro o que é mesmo o fundamento do ser cristão. Em boa verdade, se o acontecimento da paixão, morte e ressurreição de Jesus não é o núcleo da nossa fé, então é inútil falar de nascimento da Virgem ou da sua assunção ao céu. Nem faria sentido repetir, uma e outra vez, a Palavra porque Ela não seria a chave da eternidade, configuradora de uma identidade que confere um rosto único na diversidade das circunstâncias. Tudo seria apenas uma melodia humana, bela e estimuladora certamente, mas nunca a proposta de transformação pessoal e comunitária, feita continuamente por Deus Pai, o Criador, assumida por Deus Filho, o Redentor, realizada quotidianamente na unidade do Espírito Santo.

 

Confesso que tenho aprendido mais nos últimos anos sobre este mistério, em contacto com os irmãos da comunidade, do que nos muitos livros de teologia. Tem sido o testemunho de algumas pessoas em situações concretas, penosas e inevitáveis, de perdas significativas, que me fizeram estremecer e interrogar sobre a força misteriosa que as animava.  É a força da presença do ressuscitado que irrompe subitamente. Quando, por exemplo, a Francisca perdeu o pai, o seu rosto expressava uma contradição, um paradoxo aparentemente incompreensível: as lágrimas corriam pela face ao mesmo tempo que mantinha um sorriso sereno, próprio de quem acredita. «Ele está vivo. Esta é a nossa fé». Quando nos entregamos ao desespero, mesmo nestas situações, será que acreditamos na ressurreição? Ainda hoje não deixo de me surpreender e de me interrogar sobre a qualidade da minha fé, testada nestas situações.

 

Estamos condenados à morte como parcelas vivas desta terra. Mas a morte não é tudo. Pode ser um assunto sério, mas não é o assunto final. Se tivermos o ressuscitado bem no centro da vida, ela será uma passagem inevitável para o último encontro, antigo e desejado, com o Redentor. Esta é a nossa fé!

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