Por vezes basta uma palavra, um pequeno gesto...
1. Por vezes basta uma palavra, um pequeno gesto para se operar uma grande transformação. Não será uma palavra qualquer ou um gesto fruto do acaso, mas a palavra e o gesto que vão ao encontro das expetativas mais profundas do coração humano, que são desejadas como a chuva em tempo de seca e, por isso, são reveladoras, isto é, fazem-nos ver o que antes considerávamos inimaginável.
Os discípulos de Emaús reconheceram Jesus num gesto concreto: «o partir do pão». E enquanto partilhavam a experiência com os restantes discípulos, ainda cegos pela incredulidade e pelo medo, o próprio Jesus surge no meio deles e, com palavras e gestos, voltou a reafirmar: «sou eu mesmo».
Desde esse tempo que a comunidade dos discípulos se reúne em dia de Domingo para fazer memória das Palavras pronunciadas e do sagrado gesto de partilhar o pão, tal como aconteceu na última ceia. Reunida à volta da mesa da Palavra e do Pão, a comunidade professa a sua presença viva e atuante, não se limitando a repetir um sinal recordatório de um acontecimento passado.
Este é o mistério da fé, mistério extraordinário que dá rosto à comunidade dos seguidores de Jesus. Se porventura tivéssemos a ousadia de o compreender desde a perspetiva meramente racionalista, entraríamos num caminho sem saída, encetaríamos um percurso sem sentido, porque a razão não é capaz, por si mesma, de apreender o mistério que anima a fé. Motivados exclusivamente pela razão, poderíamos também dizer «nada disso é real… é uma fantasia. São crenças próprias de homens que regrediram no tempo e não acompanham o ritmo da modernidade». Na verdade, quando o homem permanece arreigado a uma leitura limitada pela razão, sofre um grande abalo todas as vezes em que é confrontado com o «mistério da fé». O espanto e o temor experienciados pelos discípulos no domingo de páscoa é também a experiência que se repete em cada um de nós, sujeitos marcados pelo hábito de procurar explicações racionais para o mistério inexplicável da fé. O Senhor está para além da razão. Está apenas ao alcance de um coração que pensa e não de uma razão que exclui o coração.
2. De novo, um gesto e uma palavra: Jesus mostra as mãos e os pés, sinais claros da sua paixão, e diz-lhes «tocai-me». Tocar em alguém significa que o outro se tornou acessível. Ao contrário do que por vezes imaginamos, Ele está ao nosso alcance. Ele não é um Deus distante ou ausente, mas próximo e pode ser tocado. Ele é aquele com quem podemos falar como amigo, como irmão mais velho. Não é extraordinário que assim seja? Recordemos que esta forma de relação não é algo do passado. Hoje, no silêncio do nosso quarto, sob a ação do Espírito Santo, podemos aproximar-nos e tocar o ressuscitado. Melhor: podemos deixar-nos tocar pela sua palavra transformadora, deixar que ele coloque sobre cada um de nós a mão marcada pela paixão, e cure as feridas do pecado que ainda nos escraviza. Ele fala connosco, como outrora fez em Jerusalém, num domingo de páscoa, para que também hoje possamos compreender o sentido das Escrituras.
Uma comunidade cujos membros não mantenham, pessoal e comunitariamente, a relação próxima e contínua com o seu mestre arrisca-se a ser apenas um grupo de pessoas que repetem rituais. Não é sinal, em si mesma, de vida ressuscitada. Pode ser também um grupo generoso de ação social, semelhante a uma ONG, mas não é o corpo de Cristo atuante no mundo. A relação com o Mestre crucificado e ressuscitado, a escuta atenta da sua Palavra, a participação na mesa onde o pão é partilhado, é fundamental e indispensável para o discípulo. Não existe outro caminho. O agir do discípulo é precedido pela relação afetuosa com o Mestre. Caso contrário, é um discípulo infiel e pretensioso que se autopromove através da comunidade crente.
3. «Vós sois testemunhas». Palavra forte e desafiadora dirigida aos discípulos tocados pelos gestos e pelas palavras do Mestre ressuscitado. Recordemos que eles estavam inseridos num contexto hostil. Se Jesus foi perseguido porque os seus gestos e palavras faziam estremecer as estruturas de uma cultura, de um pensamento fechado, rígido e desumano, também as suas testemunhas haviam de passar pelo mesmo processo de rejeição e morte. Como bem demonstra o livro do Atos cuja leitura é proclamada nas celebrações eucarísticas do tempo pascal, Pedro e os restantes apóstolos não se pouparam no anuncio da Boa Nova realizada em Jesus. Também eles, explicavam o sentido das escrituras e interpelavam a multidão motivando-a à conversão, isto é, ao acolhimento de Jesus como Messias, o Filho de Deus esperado. São testemunhas corajosas que com gestos extraordinários dão consistência à palavra proclamada.
Queridos irmãos, hoje o mundo precisa urgentemente de testemunhas de Cristo ressuscitado, capazes de renovar o ardor missionário inicial através de gestos corajosos nascidos da relação de intimidade com o Mestre da Galileia. Gestos e palavras proféticas que, como no princípio, promovem a paz e a unidade. Infelizmente, assistimos à multiplicação de gestos de agressão, palavras de ódio numa retórica populista que apenas divide e mata. É deveras preocupante o que se passa no cenário internacional. A escalada de violência na Síria, entre outros lugares, é sinal de que o homem se deixou levar pela ganância do poder e quer fazer vigorar a lei do mais forte. A história tem-nos demostrado por diversas ocasiões que, sem Deus o homem dá um passo no sentido da sua autoextinção.
Como comunidade crente, façamos o caminho inverso, coloquemos Cristo no centro das nossas vidas e assumamos o risco e o incómodo de testemunhá-lo (não basta ser cristão praticante…). Ser testemunha é fazer eco das palavras do Salvador e continuar os seus gestos de paz e de amor, como nos recorda o Papa Francisco na recente exortação sobre a santidade: «Alegrai-vos e Exultai!».
Sejamos um dos «santos ao pé da porta» testemunhando Cristo Ressuscitado!
Louvado seja N. S. JC
Para sempre seja louvado e ….