Em dia de ascensão

Liturgia 12 maio 2018  •  Tempo de Leitura: 3

As narrativas são diferentes mas a mensagem é a mesma: depois das aparições, o ressuscitado subiu aos céus deixando aos discípulos o encargo de ir por toda a parte a anunciar a Boa Nova e fazer novos discípulos. A estratégia deveria ser sempre a do amor tornado serviço em favor dos irmãos, em especial dos mais carenciados. A tentação de ficar a olhar para o céu, como quem fica cristalizado ao contemplar o passado, foi logo denunciada pelos homens vestidos de branco. Os discípulos não tiveram outro remédio senão o de assumir a obra do Mestre sob a orientação do Espírito Santo.


Eles partiram a «pregar por toda a parte. O Senhor colaborava…». Nem tudo correu bem, nem foi perfeito, ainda assim a comunidade cresceu surpreendentemente. A mensagem encarnou nos mais variados contextos. Adaptou-se infinitamente. Assumiu um rosto. Uma cultura. Resistiu às múltiplas adversidades dando um inesperado alento às vítimas de cruéis perseguições. Por vezes, também foi capaz de superar a tentação triunfalista distanciando-se da linguagem dos poderosos. Recomeçou de novo, uma e outra vez. Sobreviveu, enfim, à prova do tempo e todos os dias bate à nossa porta. Chegou até nós como na manhã de Páscoa. Interpela-nos.


Esta mensagem, no entanto, a avaliar pelo decréscimo de fiéis praticantes no Ocidente, parece ter perdido o encanto na cultura dominante. Onde está força divina que a caracteriza? Alguns dizem que ela já não faz falta porque o homem «não precisa de Deus». Outros dizem simplesmente que nos tornamos reféns de um céu oferecido pelo materialismo. O carismático fundador da comunidade de Bose, E. Bianchi, comentou recentemente que «estamos a viver um destes momentos de anestesia social e histórica. O problema é que todos, inclusive os jovens que geralmente são uma força de transformação, hoje estão muito homologados por esta cultura da sociedade de consumo» (In Público, 6/5/18).


O contexto, no entanto, não explica tudo. Não explica, por exemplo, os processos subjacentes à atitude do crente que se contenta com uma catequese pobre e cruza os braços, meio resignado meio indiferente, em relação à procura autêntica de Deus. Não explica o afã pelo esotérico, pelas propostas de uma espiritualidade alternativa, por vezes até pouco sadia.


A mensagem de Jesus é intemporal. Nós somos os seus herdeiros e os instrumentos através dos quais ela pode chegar «a toda a parte». Não há alternativa. Lembro-me da velha anedota do anjo que vendo Jesus chegar ao céu, em dia de ascensão, perguntou-lhe surpreendido o que fazia ali, tão cedo, quando devia estar entre os homens, na terra, a pregar e a curar... Jesus explicou-lhe que tinha sido crucificado… «Então», disse o anjo, «a tua missão foi um fracasso. Acabou tudo. Não temos alternativa!». Ao que Jesus ter-lhe-á respondido: «não, existe uma alternativa: a missão continua graças aos meus discípulos». Graças aos discípulos.

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