O Consolador

Liturgia 19 maio 2018  •  Tempo de Leitura: 3

Era o primeiro dia da semana quando o Cristo estigmatizado lhes ofereceu a paz. O Mestre ferido, agora ressuscitado, reconforta a comunidade, sopra sobre ela, também ferida pela traição e pelo desencanto, e confere-lhe a responsabilidade de ser a promotora da reconciliação entre os homens e dos homens com Deus.

 

O Espírito Santo, o Sopro de Vida, é apresentado como o Paráclito, isto é, o Consolador. Ele não é uma energia ou algo de vago. É alguém, a terceira pessoa da Santíssima Trindade, que acompanhou o Filho de Deus e, como tal, num novo capítulo da história, acompanha também cada filho, consola-o para que ele se torne consolador dos estigmatizados pelo mundo.

 

De facto, a descida do Espírito Santo tem um efeito simplesmente disruptivo na vida dos discípulos. A comunidade até então atrofiada pelo medo, surge agora, no espaço público, com um novo rosto e uma missão bem definida: ser protagonista da paz, a consoladora dos muitos feridos.

 

É espantoso verificar alguns exemplos do efeito consolador do Espírito Santo na longa história da espiritualidade cristã. Ângela de Foligno, por exemplo, no termo de uma peregrinação a Assis, junto à porta da basílica, pôs-se a gritar e a vociferar como uma louca: «Amor não conhecido, porque me deixas? Porquê, porquê?».

 

Ângela era uma pobre viúva que tinha perdido os filhos e, naquele momento, como confessara mais tarde, «era consolada pelo Espírito Santo de um modo que nunca tinha experimentado». Decorria o ano de 1291. O frade que antes se envergonhava dela e a ameaçara de que não a incluiria nas novas peregrinações a Assis, ouviu atónito o relato consolador do Espírito Santo. Ângela, a analfabeta de Foligno, havia de se destacar como uma das grandes místicas da época medieval.

 

O cardeal J. Newman dizia numas das suas alocuções ao povo: «Instruídos pelo nosso próprio sofrimento, pela nossa própria dor, ou melhor, pelos nossos próprios pecados, teremos a mente e o coração treinados para qualquer obra de amor em relação àqueles que dela necessitarem. Seremos, à medida da nossa capacidade, consoladores à imagem do Paráclito, e sê-lo-emos em todos os sentidos que esta palavra comporta: advogados, assistentes, portadores de conforto».

 

Ser consolador à imagem do Paráclito. Num mundo cheio de violência é urgente encontrar discípulos disponíveis para curar e enxugar as lágrimas, proteger e consolar.  Assim como o êxito de uma batalha não depende só da coragem dos soldados da linha da frente, das estratégias inteligentes dos oficiais, mas também assenta na capacidade do exército em se auto-regenerar na retaguarda, assim o esforço para a construção da paz exige homens e mulheres que, nas trincheiras ou nos hospitais, motivados pelo Espírito consolador, curem com a palavra compassiva ou simplesmente fortaleçam os caídos com a sua presença silenciosa.

 

Há uma máquina de guerra que não cessa de fazer vítimas inocentes. São muitas. Todos os dias.

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