«Para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti»
Quando eu era muito pequeno, julgava-me filho único com direito a usufruir em exclusivo do afeto dos meus pais, bem como de todos os seus bens. Nesse tempo, tudo era meu e eu ainda não sabia o que era partilhar. Só mais tarde percebi que aquele espaço era habitado por outros que também disputavam os mesmos bens, de uma forma por vezes feroz e egoísta. Depressa aprendi que podia ser mais feliz se fosse capaz de participar nas brincadeiras diárias promovidas por algum irmão mais velho, mesmo quando tinha a noção de que ele gozava claramente de mais benefícios do que eu. Era ele que liderava o processo e controlava os riscos. A aventura prosseguia e no fim do dia somava mais uma experiência. De vez em quando, tinha um ataque de inveja e reivindicava justiça. Queria que fossem minhas todas as coisas, pessoas inclusive. Voltava a ser infeliz. Enredava-me em perguntas cujas respostas não vislumbrava. «Serei tão filho como os outros?» Amargava os outros com a minha amargura. Durava pouco, felizmente, porque, em cada manhã, despertava com a manifestação da fidelidade amorosa dos meus pais. E os dias passaram. Os ciclos repetiram-se com as suas naturais variações.
Hoje sei que uma das características que definem o espírito humano é a busca continua por um lugar de felicidade. Fazemos tudo por não nos deixarmos enganar pelas propostas ilusórias desenhadas por um anúncio publicitário, nem aceitamos residir em territórios cujas relações são escandalosamente assimétricas e em que o mais forte explora, sem escrúpulos, o mais fraco. É certo que por vezes somos tentados a procurar o lugar santo da felicidade em terrenos caríssimos, vendidos por um especulador imobiliário sagaz, na expectativa de «ali, naquele lugar, vou ser feliz».
A longa tradição religiosa diz-nos repetidamente que fomos criados por Deus, e esse lugar de felicidade é-nos oferecido na comunhão com Ele. Na perspetiva cristã, o caminho para lá chegar é evidente: «Eu sou o caminho, a verdade, e a vida». É o Espírito Santo, por sua vez, que nos estimula a prosseguir, isto é, a aproximarmo-nos do Filho mais velho, Jesus, aquele que nos conduz até ao Pai e nos faz viver como irmãos. Esse encontro divino, nessa terra sagrada, tem o mérito de alterar a nossa visão. O que muda é sobretudo o foco. Já não estou tão centrado em mim, à procura da minha felicidade...
Hoje imagino-me como um membro de uma tripulação que navega por mares desconhecidos, numa antiga caravela quinhentista. Procuro a terra da felicidade sujeitando-me ao calor intenso, à fome e às perigosas intempéries. Sei que essa terra existe. E não estou sozinho nessa aventura. Há muitos cúmplices. São meus irmãos. Remamos no mesmo sentido. Sonhamos juntos essa terra. Relemos pela noite dentro os mapas antigos. «A terra existe», digo. «A terra existe», repetimos enquanto remamos. «Ali seremos ainda mais felizes», dizemo-nos em segredo. «A nova terra está ao nosso alcance», avancemos. Acredito. Acreditamos. E Deus surge no horizonte.