Os valores que tocam a eternidade
Entramos na fase final do ano litúrgico. Dentro de duas semanas, celebramos a solenidade de Cristo Rei e começamos a preparação para o Natal. Nesta reta final, a liturgia convida-nos a olhar para o futuro através da reflexão na temática da vida para além da morte.
De modos diferentes, o texto da 1ª leitura e a passagem do Evangelho referem a ressurreição como garantia da fé. No primeiro caso, ouvimos o relato do martírio de sete irmãos juntamente com a mãe. No séc. I, os Macabeus opuseram-se fortemente à cultura dominante que desrespeitava os princípios da antiga lei judaica, no que diz respeito às restrições alimentares, nomeadamente a proibição do consumo de carne de porco (Lev 11,7; Dt 14,8). A firmeza dos irmãos e da mãe é um exemplo de uma fé forte que faz estremecer até os carrascos. A atitude heroica é sustentada pela convicção na justiça de Deus, tão distante da justiça tantas vezes injusta dos homens. Nesta perspetiva, a ressurreição surge como prémio para aqueles cumprem o estipulado pela antiga lei, aqueles que aceitam a morte como moeda de troca pela fidelidade aos princípios fundamentais da relação com Deus.
Para nós, esta postura poderá ser incompreensível. Aos olhos dos homens do nosso tempo, esta intransigência será considerada certamente como uma atitude fanática. Na verdade, influenciados por uma cultura que relativiza os valores fundamentais, aqueles que nos foram transmitidos de geração em geração, podemos olhar com desconfiança e desdém para as opções daqueles que arriscam a vida na defesa desses valores. Mas há valores dos quais não devemos abdicar. Eles são estruturantes da nossa identidade enquanto seres humanos e enquanto católicos. Valores como a defesa da vida, esteja ela ainda em gestação no ventre de uma mulher ou numa fase final, numa qualquer cama de hospital. A vida de um irmão estrangeiro que atravessa a fronteira à procura de melhores condições, a vida de um trabalhador, a vida de um vizinho com quem podemos até não simpatizar. O respeito e a deferência, o espírito de serviço em relação aos que mais precisam, fazem parte do ADN do ser cristão. Por isso, não deveria ser estranho que os católicos se comprometessem ativamente para que esse outro, o necessitado, o nosso irmão, fosse acolhido como o próprio Deus.
Hoje, como é sabido, aqueles que desvalorizam os princípios assentes na revelação de Deus, são aqueles que, de alguma forma, por vezes dissimulada, procuram «criar uma cultura dominante ao impor uma nova ordem de valores, um novo “credo” que lhes permita condenar e proibir os que pensam de outra forma» (adaptado de A. Barreto).
Para nós não é uma novidade: a mensagem de Jesus propagou-se em contextos adversos. Não podemos esquecer que no núcleo da profissão de fé está a entrega do Homem Deus, Jesus, na defesa de valores. E não façamos confusão: não estão em causa questões de ordem alimentar. Os conceitos de pureza e impureza são categorias humanas. Não podem ser assumidas como lei divina. Outros valores, como a defesa da vida, merecem o nosso empenho e compromisso. Por ela, seremos dignos da comunhão eterna.