Duas notas
1. SEMINÁRIOS: «Os padres têm de atravessar muitos desertos, muitos desertos…» disse-me num tom pausado e sereno a especialista na arte das grandes travessias, aquela que lê mapas. «Não há outro meio… nós também, mas os padres…»
As palavras fizeram soar o alarme: serei capaz de percorrer o deserto? Estarei disposto a enfrentar a solidão das grandes cidades, o cenário onde se esconde salteadores e maldizentes? Poderei percorrer a paisagem sem fim, alimentado pela esperança de ser guiado apenas pela bussola da fé?
A tentação, na verdade, é ficar em casa, no conforto da rotina previsível. Ligar o automático e repetir os trajetos traçados por desconhecidos. Não perguntar pelo sentido nem pelo destino. Ressoar palavras como quem ressona. Não aceitar ser a mão que pega na espada da Palavra, nem ser pão repartido por muitos, nem provar do cálice oferecido. Evitar o leproso e a adúltera. Não ser sinal de contradição. Mas aquele que foge do deserto nunca será um guia. Nunca poderá curar com o gesto simples nem aclamar a tempestade com a presença.
O seminário é um lugar de treinos. De múltiplos treinos. Rezemos por eles.
2. POBRES: Celebramos recentemente o centenário do nascimento da nossa Sophia de Melo B. Andresen. No dia em que a Igreja pede aos fiéis para rezarem, pensarem e se comprometerem com a causa dos pobres – não como algo abstrato – vale a pena recordar o excerto de um poema intitulado «As pessoas sensíveis». Nele podemos sentir a vibração de uma tonalidade profética própria da vidente que, justamente, não aceita a pobreza como uma fatalidade e por isso a denuncia. Diz a poetisa: «”Ganharás o pão com o suor do teu rosto” / assim nos foi imposto / E não: “com o suor dos outros ganharás o pão” / Ó vendilhões do templo / Ó construtores / Das grandes estátuas balofas e pesadas / Ó cheios de devoção e de proveito / Perdoai-lhes Senhor / Porque eles sabem o que fazem.»