Ir mais longe
Jesus não desiste de nos incitar a ir «para além» do razoável, do sensato, do normal, do aceitável, propondo-nos metas que nos obrigam a romper as fronteiras do previsível para entrar em territórios com uma certa dose de irracionalidade, lugares do imprevisível. Sim, o horizonte do discípulo é sempre ir «para além» do condicionalismo da natureza ou do legalismo farisaico que acentua a retribuição simétrica - «olho por olho, dente por dente…» como regra fundamental da coexistência humana. Ir «mais longe» porque de outro modo agimos como pagãos, isto é, nada fazemos de extraordinário. É como se vivêssemos em piloto automático de tão resignados com a banalidade assente na repetição de rotinas. Mas ser discípulo de Jesus é assumir uma forma de vida extraordinária! Este modo de vida invulgar, porém, não surge por acaso. É necessário o exercício constante de uma rigorosa disciplina do coração.
Um dos autores espirituais mais lidos no séc. XX, H. Nouwen, lembra-nos que discipulado e disciplina derivam da mesma raiz linguística. Assim, «disciplina sem discipulado conduz ao formalismo rígido, e discipulado sem disciplina acaba em romanticismo sentimental». As duas realidades são, portanto, inseparáveis. Ambas nos situam no horizonte que Jesus propõe: «Sede perfeitos como o Pai do céu».
Ser disciplinado para ser discípulo de Jesus. Disciplinado na arte de amar e de servir. Disciplinado na arte de ver e de ir mais longe, na procura diária do extraordinário em gestos simples, mas realizados com a firmeza que só a fé nos pode assegurar. Disciplinado para ser «um santo ao pé da porta» (Papa Francisco).
Não somos chamados a imitar a omnisciência ou a omnipresença de Deus, mas antes a Sua perfeição, o Seu modo de agir compassivo e misericordioso. A perfeição que o Mestre propõe aos seus discípulos no Evangelho é a lei do amor traduzida em muitos gestos. Este mundo precisa de aplicar este princípio como regra de vida. A paz e a justiça seriam possíveis. Serei eu capaz de trilhar este caminho? Aventurar-me para chegar mais além? Está ao nosso alcance?