Quando pecadores e prostitutas passam à frente a caminho de Deus
Jesus terminou a sua viagem para Jerusalém, a cidade santa em que entrou aclamado como Messias, filho de David, pelos discípulos que o acompanhava, e pelas multidões; expulsou do templo quantos impediam que fosse uma casa de oração e secou simbolicamente a figueira que não dava frutos. Estas ações causam uma profunda indignação da parte das autoridades religiosas legítimas mas perversas, «sacerdotes e anciãos», que intervêm publicamente perguntando a Jesus com que autoridade realiza esses gestos provocadores. Mas Jesus não responde, antes põe-lhes uma pergunta relativa à missão de João Batista: missão querida por Deus ou missão que João tinha inventado por si?
Este questionamento não recebe, todavia, uma resposta, e então Jesus dirige-lhes três parábolas: a dos dois filhos, a dos vinhateiros assassinos e a dos enviados ao banquete nupcial. De facto, são três parábolas com as quais Ele procura causar um arrependimento naqueles adversários que pouco tempo depois serão os seus acusadores e os seus condenadores. As parábolas são para Jesus precisamente um instrumento para fazer mudar o pensamento e a atitude àqueles a quem são dirigidas. Mas aqui acontecerá exatamente o oposto. Em vez de se interrogarem e converter, sacerdotes e anciãos indignar-se-ão ainda mais e, compreendendo que tais narrativas se dirigem precisamente a eles, endurecem ainda mais o seu coração, acrescendo a sua oposição e o seu ódio para Jesus.
Escutemos então a primeira parábola, em obediência ao ordenamento litúrgico que a prevê para o próximo domingo (Mateus 21, 28-32, 26.º Domingo do Tempo Comum). «Que vos parece?», introdução que é um convite a pensar e a discernir, para que no fim haja uma outra pergunta da parte de Jesus, que requererá uma resposta clara e decisiva. A resposta inicial do primeiro filho interrogado pelo pai para ir trabalhar na vinha é irreverente, uma desobediência consciente. Mas este filho que ousa resistir ao pedido do pai e lhe nega a obediência, de seguida muda de opinião e vai trabalhar na vinha. Assim mostra que se arrependeu; pensando, mudou de opinião e a não vontade transformou-se para ele em obediência possível.
As palavras de Jesus querem desmascarar estes crentes que confiam no seu frequentar assembleias onde ressoa a palavra do Senhor, que participam nas refeições com o Senhor, comendo e bebendo à sua mesa, mas que na verdade sem serem concretamente discípulos no seguimento de Jesus, na tentativa de conformar a sua vida à sua
Entra depois em cena o segundo filho. O pai dirige-se a ele do mesmo modo que o anterior, e a resposta que obtém é positiva: «Sim, Senhor!», mas depois não vai. Estamos perante um filho respeitoso do pai, que até o chama “Senhor”. É respeitoso talvez por medo, porque incapaz de dizer um “não” ao seu pai. Ou é respeitoso porque nutrido de formalismo: diz sim ao pai, como é requerido pela lei e pela prática, mas depois não faz a vontade. Talvez pense que o pai não se recorde que ele não colocou em prática o que ele lhe disse… Não conhecemos as motivações da não execução do convite: resta o facto de que a vontade do pai não é cumprida. Este segundo filho contenta-se em fazer uma declaração verbal segundo o desejo do pai e não perceciona a própria incoerência: como um cego não vê, não se lê a si próprio…
É evidente que o que sucede nesta parábola sucedia aos tempos de Jesus, entre os crentes judeus, mas sucede ainda hoje nas comunidades de discípulos, na Igreja. Houve sempre, há e haverá quantos dizem «Senhor!, Senhor!», invocam-no e têm muitas vezes o seu nome na sua boca, mas depois não fazem a a vontade do seu Pai que está nos céus. As palavras de Jesus querem desmascarar estes crentes que confiam no seu frequentar assembleias onde ressoa a palavra do Senhor, que participam nas refeições com o Senhor, comendo e bebendo à sua mesa, mas que na verdade sem serem concretamente discípulos no seguimento de Jesus, na tentativa de conformar a sua vida à sua. Militantes, certo, sem serem discípulos!
Graças a esta parábola somos convidados a discernir no nosso hoje aqueles que de facto, sem o saber, são representados pelo primeiro ou pelo segundo filho: homem religiosos orgulhosos da sua pertença confessional e falam, falam…; dizem sim à vontade de Deus, mas diariamente não a realizam, porque para eles é mais importante aparecer do que ser e fazer. Do outro lado, aqueles que parecem dizer constantemente não a Deus porque não se mostram religiosos, porque não proclamam a sua pertença religiosa, e depois, ao contrário, vivem-na no anonimato, no dia a dia, realizando a vontade do Senhor sem o nomear e por vezes sem o conhecer. Perfeitos anónimos para nós, mas que simplesmente «praticam a justiça, amam a misericórdia e caminham humildemente com Deus». Eis então, pontual, no fim da parábola, a pergunta de Jesus: «Qual dos dois filhos cumpriu a vontade do pai?», a que se segue a esperada resposta dos sacerdotes e dos anciãos: «O primeiro!».
Cada um de nós, quanto mais é reconhecido pela sua profissão de fé, mais deve interrogar-se: digo sim a Deus só por palavras, ou realizo sem clamor e sem ostentação, humildemente, a sua palavra?
E então Jesus convida-os a extrair as consequências, comentando: «Em verdade vos digo: “Os pecadores manifestos e as prostitutas passarão à vossa frente no Reino de Deus”». Palavras de Jesus duras como pedras, porque constituem o juízo pronunciado sobre aqueles ouvintes. Mas porquê? Não será talvez isto paradoxal? E todavia acontece assim, porque aqueles que publicamente aparecem como pecadores e por todos são tidos como tal, são presas da vergonha e sentem neles o desejo, mais ou menos escutado, de mudar de vida: desejam sair da sua vida de pecado, que os outros desprezam e condenam. Os homens religiosos, ao invés (aqui os sacerdotes e os anciãos, interlocutores de Jesus), que aparecem como observantes mas têm pecados ocultos, dado que todos os veneram e vêem segundo o seu estatuto, não querem absolutamente mudar de vida. Uns estão por isso abertos a um convite à conversão, enquanto os outros pensam que não têm necessidade de qualquer conversão: daqui nasce a sua hipocrisia, a sua rigidez, o seu julgar e espiar os outros, sem nunca se interrogarem sobre si; estão sempre prontos a absolverem-se porque aos olhos das pessoas são justos e até exemplares…
Repito-o, para que seja bem claro. Quem peca às ocultas nunca é impelido à conversão por uma reprovação que lhe venha dos outros, porque continua a ser venerado e estimado por aquilo que da sua pessoa aparece exteriormente: esta é a doença da maior parte das pessoas, entre as quais se destacam precisamente as religiosas e fevotas, que acreditam ser exemplo para os outros. Quem, ao contrário, é um pecador público, encontra-se constantemente ao juízo e à condenação de outros, e de por isso é um induzido a um desejo de mudança. Só animado por tal desejo, só no arrependimento que nasce de um coração esmagado – isto significa etimologicamente “contrito” -, o ser humano pode tornar-se sensível à presença de Deus.
E assim Jesus anota que, quando veio João Batista a pedir a conversão, os pecadores públicos responderam enfaticamente ao convite e converteram-se, enquanto os sacerdotes e as autoridades religiosas, apesar de terem visto isso, nada mudaram do seu comportamento para aderir à sua mensagem. Com esta parábola Jesus interroga por isso cada um de nós, se quisermos escutá-lo. E cada um de nós, quanto mais é reconhecido pela sua profissão de fé, mais deve interrogar-se: digo sim a Deus só por palavras, ou realizo sem clamor e sem ostentação, humildemente, a sua palavra? Em síntese, «no
último dia, no dia do juízo» - como recita uma afirmação tradicionalmente atribuída a Agostinho, que deveríamos ter bem mais presente -, «muitos dos que se pensavam dentro serão encontrados fora, enquanto muitos que pensavam estar fora serão encontrados dentro do Reino dos Céus».
[©Enzo Bianchi]