Esta vinha. Estas uvas.
Ele não era um atrevido zé-ninguém, um provocador inconsequente mas o desconcertante mestre cuja palavra havia sido a força dos mais fracos, Aquele em cujos gestos se adivinhava a profecia do esperado Messias. Tais palavras eram de tal forma incómodas e geravam tanta controvérsia que chegavam a ser alvo de secretos desejos para as silenciar. Já os sinais miraculosos eram qualificados como manifestações diabólicas. Mas nem por isso o misterioso rabi deixava de propor, entre as pessoas menos conceituadas, aqui e ali, a nova doutrina, cimentando-a com inesperados sinais. A situação estava realmente muito tensa. Jesus não dava sinais de abrandar e os líderes religiosos percebiam claramente que a sua autoridade se encontrava posta em causa. É neste contexto crispado que Jesus propõe aos líderes do seu tempo a parábola que ouvimos este domingo.
A parábola da vinha generosa administrada por uns ingratos e cruéis agricultores tem um claro objetivo: motivar a tomada de consciência do comportamento desadequado dos ouvintes e, em consequência, provocar a mudança. O proprietário é um “paz de alma” até que o filho é assassinado. Nessa altura já não há nada a fazer. Porque «não há mal que sempre dure…», serão castigados e a vinha será arrendada a outros que deem garantias do cumprimento dos seus deveres.
Hoje quantas vinhas estão a ser administradas por gananciosos agricultores? Eles dizem «este país, esta terra, esta casa, este povo, este mar, este céu, este… é nosso». O «nosso», por uma questão de “redução de custos”, facilmente se torna o «meu». Na Igreja por vezes também ouvimos este discurso com algumas variações: «a verdade é minha». E mobilizamos, com o fervor de um neófito, a santa cruzada contra os novos hereges. Fechamo-nos nessa luta por vezes quase irracional na defesa da suposta verdade. Desrespeitamos o representante do proprietário. E a Verdade passa-nos ao lado. E os frutos dessa vinha generosa correm o risco de apodrecer sem que ninguém os colha ou que sejam colhidos por estranhos – há sempre uns oportunistas estranhos...
Às vezes também nos esquecemos que a vinha tem os seus caprichos: é necessário lavrar a terra, regar e adubar, tirar as folhas desnecessárias e espreitar, todas as manhãs, os novos cachos, perguntar-lhes se estão de saúde e analisar os sinais da ameaça de uma praga qualquer.
Depois é só esperar pacientemente. Uma espera prazerosa. O tempo fará o resto. O primeiro fruto é uma agradável sombra. Sob a sua ramagem, sonhamos com o que há de ser: a alegria da vindima e o fruto partilhado em tempo de festa. Compreendemos nesses dias que vale a pena todo o esforço e, de coração agradecido, dizemos com toda a sinceridade: «Obrigado Senhor por nos teres convocado para trabalhar na tua vinha».