A terra queimada

Liturgia 25 novembro 2017  •  Tempo de Leitura: 3

«Há muito tempo que andava com isto aqui, aqui!» - disse a sra. M. com a voz embargada enquanto batia repetidamente sobre a garganta. «Hoje fez-me bem conversar com estas pessoas. O nó parece que começa a desatar-se. Mas ainda está aqui, aqui».

 

Nos seus setenta anos, a sra. M. não foi poupada aos incêndios do passado mês de outubro, no centro do país. Perdeu quase tudo e, agora, acolhida no lar de Avô, perto de Oliveira do Hospital, contempla com um olhar pesaroso a paisagem à sua volta. «Ainda parece mentira», desabafa. É um cenário desolador: agora dominam os tons escuros onde antes predominavam os verdes. As montanhas negras. Os tantos sinais de morte. Como se as chamas ainda estivessem a lavrar nas encostas da aldeia e cada comentário fosse um reacender das mesmas. Muitas vítimas têm relutância em tocar no assunto. Parecem dizer «não voltemos ao fogo para não sermos definitivamente queimados». Outros dizem-no explicitamente com serena determinação «não falemos mais nisso». Percebemos que a realidade indesejada forma um grande nó difícil de superar. Vilas e aldeias, como um só corpo, lutam para dissolver estas imagens. Esperam que o tempo, com a pobre chuva servida em tempo de outono, faça o seu trabalho regenerador. Depressa, no entanto, percebemos também que a resistência inicial é apenas um modo de nos interrogarem «Estás mesmo disponível para me escutar? És capaz de estar comigo algum tempo?». As vítimas precisam de contar a sua história para que o nó se desfaça. E as palavras do Evangelho deste domingo reforçam o nosso compromisso: «… não tinha roupa e vestiste-Me; estive doente e viestes visitar-Me…” “Quantas vezes o fizeste a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizeste.»

 

Aos poucos das cinzas brotam pequenos rebentos como se um coração, no centro da terra, continuasse a bater, apesar da superfície cheia de queimaduras. São sinais de esperança. A natureza não desiste tal como o povo destas terras. E se a chuva tem sido escassa, o mesmo não se pode dizer das manifestações de solidariedade dos portugueses. «Há espaços cheios de caixotes à espera que as casas fiquem prontas. Leva tempo…», disse o Pe. Rodolfo, jovem recém-ordenado responsável por oito paróquias.

 

A nossa comunidade, como outras instituições, tem participado neste esforço de reconstrução das zonas afetadas. A visita ao Lar de N. Senhora da Assunção, na vila de Avô, com a entrega de bens recolhidos pelo nosso Centro Social, foi apenas um entre muitos gestos.

 

Nestes últimos tempos, Jesus decidiu ser um dos habitantes nas nossas aldeias a quem o fogo tudo levou. Vamos ajudá-Lo?

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