Ainda por Nascer
O pior é mesmo a preparação. Persistir apenas com o estímulo de uma intuição ainda em estado embrionário. Deixar-se consumir, em lume brando, pelo longo compasso de uma espera até que se perceba onde chegar. E pelo caminho envolver-se no manto do silêncio, escutar o silêncio, alimentar-se de silêncio, propor, aqui e ali, o silêncio grávido.
O pior é mesmo superar a fase da dispersão. Não sair da estrada antes do tempo. Contemplar os ritmos da natureza sem a explicação que afeta o mistério. Eu não vou apressar o nascer do sol, nem impor o entardecer. Ainda é tempo de espera. Hoje a voz ressoa no deserto: «Prepara-te!».
Deixar o silêncio escorrer até ao centro. Permanecer com a essência, a intuição original. Não ceder à tentação de outras intuições. Suportar o estímulo que desvia, o sinal que atrapalha e a palavra mansa que envenena. O mais difícil, portanto, nesta terra de muitas palavras e de gestos apressados, é esperar como quem se prepara, como quem diz «hoje ainda é cedo». E imitar o ritmo da natureza, ouvir o Batista: «Amanhã, só amanhã vai chegar…».
Conter a intuição ainda em gestação. Fechar os olhos e recolher-se. Deixar-se estremecer pelas vibrações da voz no deserto – «Amanhã, só amanhã…» – e suportar a passagem dos corredores de fundo. Não fugir ao silêncio. Moldar-se pela privação como um pedinte à espera da generosidade alheia, como um pecador espera pelo cumprimento da promessa antiga – «só amanhã vai chegar Aquele que é mais forte, Aquele que te vai absolver».
O mais fácil é saltar o silêncio preparatório e o mais comum – até parece mentira – é cair na armadilha do vazio. Tantas vezes quase nos afogamos num mar de ansiedade e angustia porque nos faltou o silêncio purificador. Fizemos uma preparação ingénua como quem limpa o pó e deixa tudo fora do sítio. Uma preparação raquítica que até dá pena Àquele que vem.
A fase preparatória é a mais exigente. Priva-nos. Testa-nos. Confronta-nos. Despoja-nos. Envergonha-nos. Reduz-nos à intuição mobilizadora ou, na sua ausência, à cinza escura. Porque hoje é o tempo da voz forte, do homem forte que se vestia daquela forma e repetia «sim, eu bem sei, não sou digno, não sou o Messias. Eu como gafanhotos e tu que te preparas comerás da mão do Messias, mas tens de apurar os sentidos para reconhecê-lO. Não O confundas com uma iguaria nesta quadra festiva!».
A intuição guia-te nesta procura silenciosa até Aquele para quem o Batista aponta. Alimenta-te da Palavra definitiva, o alimento da eternidade.