O desvio da alegria
Vivemos imersos numa cultura que sobrevaloriza o lado negro da realidade. Um acontecimento só chega à categoria de «boa notícia» na comunicação social se for suficientemente escandaloso ao ponto de prender a atenção e perturbar, ainda que de um modo transitório, o espírito do espetador. A informação sobre o evento X ou sobre o comportamento da pessoa Y é desenvolvida e repetida como se fosse necessário convencer o ingénuo consumidor de toda a verdade, os muitos pormenores da cena, as motivações do agente, o perfil da personalidade, as variáveis contextuais, etc, etc. Depois surgem os especialistas que analisam o caso desde as mais diversas perspetivas e, logo de seguida, os comentadores dos comentadores com as análises sábias, originais e indispensáveis… Não admira que a informação seja deturpada e exagerada para que se mantenha o interesse e o seu efeito se prolongue no espetador.
O consumo de notícias deste teor é uma espécie de passatempo que vai queimando o tempo, suscitando no espírito de quem se alimenta delas um sentimento ambivalente de tormento e de prazer. Por um lado, sentimos o desgosto porque, como se fosse a primeira vez, tomamos consciência de que o homem é capaz de fazer o inimaginável, o pior e o desprezível. Mas, ao mesmo tempo, a maldade dos outros parece confirmar a nossa bondade, diz-nos secretamente, «eu não sou assim, graças a Deus!». Digamos ainda que a propensão para consumir este tipo de informação é uma dopamina a que muitos recorrem para vencer o tédio de uma vida rotineira. E. Becker dizia que «o homem moderno bebe e droga-se até perder a consciência, ou então passa o tempo a fazer compras, o que é a mesma coisa». E nós podemos acrescentar: e a consumir informação, o que é a mesma coisa.
É possível uma sã alegria? Qual é o segredo de uma alegria que persiste para além da infelicidade dos acontecimentos? Paulo faz-nos uma proposta. Ele associa a alegria à oração ininterrupta e à atitude de ação de graças. Orar sem cessar só é possível se entendermos a oração não como repetição de fórmulas, mas como a «memória de Deus», isto é, a lembrança contínua de Deus em nós e no mundo que nos rodeia. Esta memória desafia-nos a ler a realidade com outros olhos e a descobrir o lado luminoso dos acontecimentos. Por outro lado, desafia-nos a ser reconhecidos e a dar graças. As pessoas mais alegres são as que mais agradecem sem se tornarem escravas de favores alheios.
Lembro-me da Sra. E. já alquebrada pelos muitos anos mas sempre serenamente alegre. Não era raro encontrá-la, enquanto trabalhava, a cantarolar. «Tudo bem sra. E?». «Ora bem! Quem está na graça de Deus está sempre bem!». Aquela mulher simples, despojada e trabalhadora sempre foi e ainda é, para mim, um testemunho eloquente de uma alegria sã e consistente.