Andamos para trás quando não andamos para a frente
«Não somos o que deveríamos ser, não somos o que queríamos ser, e também não somos o que seremos um dia. Mas graças a Deus não somos o que éramos.»
Assim falava aos afro-americanos dos EUA Martin Luther King, assassinado em 1968 com apenas 39 anos, depois de uma vida dedicada a defender os direitos civis da população negra.
As suas palavras podem também tornar-se base para uma reflexão mais geral sobre a vida de cada um de nós. Se nos examinarmos em profundidade, devemos com sinceridade reconhecer que estamos longe do ideal da pessoa justa que é desenhado nas Sagradas Escrituras ou, pelo menos, de acordo com os princípios fundamentais da ética natural.
Também estamos longe de ter realizado muitas resoluções e projetos (o que "queremos ser"), assim como estamos longe da meta que, mais cedo ou mais tarde, com esforço e fidelidade, alcançaremos.
Esperamos, contudo, poder repetir: «Graças a Deus não somos o que éramos». Ou seja, não voltámos atrás, caminhando ao contrário na estrada da justiça, abandonando posições conquistadas, retrocedendo por comodidade e inércia.
Na verdade, há uma atração em relação ao passado que faz perder a enegria para prosseguir e nos bloqueia, como a mulher de Lot que olha para trás e se detém para sempre.
João Cassiano, um escritor espiritual que viveu nos séculos IV-V, nas suas "conferências" destinadas aos monges, advertia: «Estamos seguramente a andar para trás quando nos damos conta de que não andámos para a frente: a alma não pode permanecer parada».
É um convite a recolher para voltar o nosso olhar para a frente, para um horizonte mais alto, aquele que precisamente nos mostra como "devemos ser".
Com efeito, é paradoxal que, num mundo tão frenético como é o moderno, o espírito seja lento e preguiçoso, dado a parar. O cristianismo é por excelência espera e tensão porque não temos aqui a pátria definitiva.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In "Avvenire"]