A tesoura e a agulha
«Um dia o rei foi ter com o grande místico Farid. Inclinou-se e ofereceu-lhe um par de tesouras incrustadas de diamantes. Farid admirou-as mas restituiu-as ao visitante: “Obrigado pelo magnífico presente, mas eu não faço uso delas. Dá-me antes uma agulha.”
“Mas se precisas de uma agulha, as tesouras também te serão úteis”, replicou o rei. “Não – explicou Farid –, as tesouras cortam e separam. Uma agulha, ao contrário, cose e une o que estava separado. O meu ensinamento é fundado no amor e na comunhão. Preciso de uma agulha para voltar a cozer a unidade, e não de tesouras para cortar e dividir”.»
Este apólogo da tradução muçulmana sufi, extraído das “Parábolas do Oriente e do Ocidente”, de Jean Vernette, é ao mesmo tempo um desejo e um compromisso.
É, antes de tudo, um desejo para o ano que está para nascer, para que os seres humanos usem menos as tesouras da divisão: já rasgaram suficientemente o tecido da humanidade comum, estilhaçando-o em muitas sobras dispersas. E é também um compromisso a tomar a agulha entre os dedos, inserindo-lhe a linha do diálogo.
As nossas palavras têm procurado precisamente usar o mais possível esta agulha, fazendo encontrar vozes diversas, culturas distantes, experiências variadas. Sabemos que pode estar sempre à espreita o risco do sincretismo, da “homogeneização” espiritual, inofensiva mas insípida.
É por causa deste perigo que nunca escondemos o ângulo de visão onde nos situamos, deixando quase sempre aflorar uma referência à Bíblia, que é a nossa carta de identidade espiritual e cultural.
Todavia consideramos – no rasto do empenho incessante pela paz e pelo diálogo entre os povos promovido por João Paulo II [e Bento XVI e Francisco] – conceder o primado àquilo que “coze” a civilização, o amor e a comunhão, aliás centrais na mensagem evangélica.
O fio a usar nessa agulha é um só: «O início do amor pelo próximo está em aprender a escutar as suas razões» (Dietrich Bonhoeffer).
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]