Este mundo não é a conclusão
«Este mundo não é a conclusão./ Há um seguimento para além -/ invisível, como a música -/ mas forte, como o som -/ acena, e por isso escapa -/ a filosofia ignora-o -/ é a intuição -/ que deve finalmente penetrar o enigma.»
Deixou-nos 1775 poesias de extraordinária intensidade e fragrância. É Emily Dickinson, uma das poetisas que mais admiro, nascida em 1830 numa cidadezinha do Massachusetts: lá vive quase sempre, num cenário intacto de céus luminosos e florestas silenciosas, e lá morre, em 1856.
Dela escolhi alguns versos sobre a morte, um tema “forte” que mereceria algum espaço durante estes dias quaresmais de reflexão.
A sua fé era íntima, profunda e lacerante. Com efeito, escrevia: «É muito mais grave perder a fé/ que um património -/ porque este pode ser renovado,/ a fé não».
Emily olha para além do horizonte da morte, esse «seguimento» da vida semelhante a uma música que aprecias, sentes viva e palpitante, mas que também te escapa.
A filosofia, por si só, apesar do esforço de titãs do pensamento como Platão, não consegue dar-te evidências definitivas. É a «intuição» da fé que consegue resolver o enigma.
Dickinson vai mais longe e confia-se a Cristo: «Eu vos digo - assim disse Jesus -/ que existe aqui na Terra uma espécie/ que não conhecerá o gosto da morte -/ se Jesus disse a verdade/ não preciso de outras garantias -/ porque a afirmação do Senhor/ não se pode contradizer./ Disse-me Ele que a morte estava morta».
Um desafio árduo e corajoso que nos faz avançar dia após dia no caminho da vida, agarrados ao fio da esperança, até ao momento em que Cristo dirá, a nós e à “pequena” Emily: «Sabei que o mais pequeno/ é reputado o maior no céu./ Habita a minha casa!».
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]