Escava dentro de ti
«Escava dentro de ti. Está aí a fonte do bem, e ela pode sempre continuar a jorrar, se escavares sempre.» Os Padres da Igreja muitas vezes não hesitavam em recorrer à cultura clássica para reler as virtudes cristãs.
Também nós queremos enveredar por este caminho e, para uma reflexão quaresmal, confiamo-nos às palavras das memórias do imperador filósofo romano Marco Aurélio (121-180), texto que nos séculos seguintes não foi só uma espécie de compêndio popular do pensamento estóico, como também um breviário de vida contemplativa.
O aforismo que escolhemos propõe um itinerário particularmente querido também a Santo Agostinho, o de regressar a si mesmo, na própria interioridade.
Trata-se de um exercício necessário em todos os tempos e latitudes, mas decididamente indispensável nos nossos dias, tantas vezes tão empurrados para a exterioridade, a superficialidade, a banalidade, as aparências.
Escavar no terreno, sobretudo rochoso, é muito árduo; é-o também escavar dentro de nós mesmos, debaixo das incrustações dos hábitos e talvez dos vícios consolidados.
O exercício da meditação, do exame de consciência, da reflexão é exigente, e é muito mais espontâneo velejar no vazio, deixando-nos transportar pelo vento das opiniões, das modas, do esquecimento.
Todavia, só escavando em profundidade se consegue descobrir «a fonte do bem», nascente viva de moralidade, de sabedoria, de coerência, de amor e de verdade.
A Quaresma cristã tem também este propósito: reconduzir-nos àquela alma que esquecemos, tornando-a amorfa, cobrindo-a de coisas, extinguindo-lhe a voz. Essa voz que chama, mesmo com remorso, ao bem, ao justo, ao verdadeiro.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]