Bíblia: Os números do amor
É sabido o quanto é relevante para as Escrituras a simbologia numérica; pense-se que só o Apocalipse encastoa nas suas páginas 283 números cardinais, ordinais e fracionais. Também nós, de forma livre, na onda da tradição judaica e cristã, desejamos identificar alguns números significativos do amor. Trata-se, na verdade, de curiosas equações que se remetem mutuamente. Apontaremos quatro que se combinam idealmente em par.
Primeira equação: de 7 a 77. Encontramo-nos no polo antitético do espetro ideal do amor: trata-se, com efeito, dos números do ódio, exaltados com veemência por Lamec no seu terrível canto da violência em espiral, da espada sempre ensanguentada: «Matei um homem porque me feriu, e um rapaz porque me pisou. Se Caim foi vingado 7 vezes, Lamec sê-lo-á 70x7» (Génesis 4, 23-24).
Estamos perante a vingança sem limites e sem a paridade ofensa-pena que, como veremos, introduzirá a lei de Talião. É a fratura de todo o equilíbrio social. Ao juízo pleno e severo sobre o delito de Caim (sete vezes) opõe-se - novamente através do recurso ao número da plenitude, mas de forma exasperada - o excesso vindicativo (77 vezes).
Segunda equação: de 7 a 70x7. Movemo-nos agora para o extremo oposto do espetro, o positivo do amor total, incarnado no perdão cristão. Diante de Pedro que propõe para o perdão o 7 da plenitude («Quantas vezes devo perdoar o meu irmão se pecar contra mim? Até 7 vezes?»), Jesus replica introduzindo um número que tente para o infinito, sempre na linha do setenário: «Não te digo até 7, mas até 70x7» (Mateus 18, 21-22). É evidente a referência, ainda que por contraste, à equação de Lamec: no amor, às 7 vezes de Pedro opõe-se as 70x7 vezes de Cristo, ilustradas depois pela parábola dos dois devedores, onde outra equação numérica ilustra a formulada no princípio geral: aos 100 denários confrontam-se os 10.000 talentos (Mateus 18, 23-35).
Terceira equação: de 1 a 1. Esta não é explícita mas subjacente à chamada lei de Talião, vocábulo modelado pelo latim "talis": tal a culpa, tal a pena. Lê-se, com efeito, no livro do Êxodo: «Vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, contusão por contusão» (21, 23-25). A dureza da formulação exemplificativa pode encobrir o evidente progresso que se regista relativamente à equação de Lamec. Na realidade agora temos a codificação da justiça distributiva e é um passo relevante para uma melhor normativa jurídica.
Positivamente poder-se-ia transcrever esta lei pensado precisamente no preceito de amar o próximo como a si mesmo (de 1 a 1 também neste caso). Ou na chamada "regra de ouro" presente no livro de Tobite: «Aquilo que não queres para ti, não o faças aos outros» (4, 15). No Talmude, este preceito aparece nesta frase apaixonada: «Não fazer ao próximo teu aquilo que te é odioso: esta é toda a Lei, o resto é só explicação». Jesus transformá-la-á em chave explicitamente positiva: «O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Profetas» (Mateus 7, 12).
Quarta equação: de 3/4 a 1000. É o superamento da equação de Talião, cujo valor de justiça permanece mas é excedida pela lógica superior do amor. É o que é aplicado ao agir de Deus seja no Decálogo (Êxodo 20, 5-6), seja na autorrevelação do Sinai, «o bilhete de identidade bíblico de Deus», como definiu Albert Gelin (Êxodo 34, 6-7). Citamos integralmente apenas a fórmula decalógica mais esquemática: «Eu, o Senhor, sou o teu Deus, um Deus cioso que pune a culpa dos pais nos filhos até à 3.ª e 4.ª geração para aqueles que me odeiam, mas que demonstra o seu amor fiel até às 1000 gerações para aqueles que me amam e observam os meus mandamentos». Noutro passo o amor misericordioso divino é ainda mais marcado: «O Senhor, o Senhor, Deus misericordioso e gracioso, lento para a ira e rico de amor e fidelidade, que conserva o seu amor por 1000 gerações e perdoa a culpa, a rebelião e o pecado».
Através da linguagem "geracional" (destinada a sublinhar o aspeto social e não exclusivamente pessoal do pecado) exalta-se, por um lado, a justiça, que deve ter o seu rigor e a sua plenitude, expressa através do 3 e do 4, números que no cálculo simbólico devem ser somados para atingir o 7. Mas, por outro lado, a impor-se em toda a sua grandeza está, em hebraico, o "hesed", ou seja, o amor generoso e fiel que não conhece fronteiras e é infinito, porque tal é o valor do número 1000.
Do número frio e implacável do ódio chegámos, assim, ao cume caloroso e jubiloso do amor que não conhece números mas tende para o infinito como o Deus que é amor (cf. 1 João 4, 8.16). A quem seguir esta equação repleta de amor poderá ser reservada a bem-aventurança de Ben Sira: «Felizes aqueles que adormeceram no amor» (48, 11).
[Card. Gianfranco Ravasi | In "Avvenire"]