O sapato e a formiga

Razões para Acreditar 30 abril 2018  •  Tempo de Leitura: 2

«Uma formiga debaixo do sapato de um homem não tem a mais pálida ideia de como é um rosto humano. E nós, diante do rosto de um homem, ignoramos da mesma forma como está o seu coração.

 

Por puro acaso ou por um subtil sabor perverso, por vezes o nosso sapato esmaga a formiga que atravessa a estrada. Entre ela e a enormidade de nossa figura, melhor, entre a sua pequena cabeça e o nosso rosto há uma distância quase abismal, uma impossibilidade de comunicação.»

 

Parte desta imagem Milena Jesenská (1896-1944), a mulher de Praga que ficou célebre pelo seu amor com Franz Kafka, a que permanecerá ligada entre 1920 e 1922, pontuando o escritor esse período com as conhecidas "Cartas a Milena".

 

A imagem é tomada como comparação para indicar o imenso segredo do coração humano: de uma pessoa vê-se o rosto, dele consegue-se intuir algo quando enrubesce, quando te olha, sorri ou chora, mas o íntimo mais profundo permanece oculto.

 

Somente com a comunicação livre e sincera de si é que esse abismo é preenchido, o que raramente acontece, às vezes nem sequer no casamento.

 

É verdade que há uma intimidade que pode permanecer sempre e apenas "pessoal", e o outro deve respeitá-la. O poeta libanês K. Gibran sugeria aos noivos: «Cantai, dançai juntos e sede alegres, mas deixai que cada um esteja só: mesmo as cordas de um alaúde estão sós embora frimam a mesma música. Deem os vossos corações mas não para os possuir, porque só a mão de Deus pode contê-los».

 

Há, portanto, uma solidão necessária que deve ser protegida, mas também é importante que se percorra o caminho de comunhão, no qual se possa ser «um só coração e uma só alma» (Atos 4, 32). 

 

[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail