O sicómoro
«Os pobres estão em toda a parte e têm o rosto do Senhor. Podemos subir para cima de um sicómoro para ver o Cristo que passa, não para as costas dos pobres, como fazem alguns, para se darem uma estatura que não têm.»
Sempre intensas e desafiadoras as palavras do padre, escritor e Servo de Deus Primo Mazzolari (1890-1959), testemunha grandiosa e sofredora do cristianismo na Itália.
Proponho aqui uma simples reflexão, extraindo-a do seu comentário sobre o passo evangélico de Zaqueu, o explorador dos pobres convertido por aquele Cristo que ele, por curiosidade, tinha ido ver nos caminhos de Jericó, subindo a um sicómoro para melhor o fixar (cf. Lucas 19, 1-10).
Essa árvore semitropical torna-se, aos olhos do P. Mazzolari um símbolo: a ela ascende Zaqueu, e essa decisão revelar-se-á salvífica.
Não o expressará assim, por exemplo, o poeta Eugenio Montale (1896-1981), quando confessou: «Trata-se de subir ao sicómoro/ para ver o Senhor/ se alguma vez passar./ Ai de mim, não sou um trepador,/ e mesmo estando em pontas de pés,/ não o vi».
O P. Mazzolari, no entanto, refere-se a outro género de subida, que deu origem ao termo depreciativo de "alpinistas" sociais, aqueles que não prestam atenção a ninguém e, sem decência e humanidade, prevaricam sobre os outros, usando-os e lançando-os fora para alcançar os seus propósitos e o seu sucesso.
O seu sicómoro é composto por criaturas mais fracas, sobre as quais se instalam para subir mais alto e dominar, pensando, ilusoriamente, que são mais gloriosos e beijados pela fama.
Todos nós, de alguma forma, devemos reconhecer que algumas vezes na vida nos aproveitámos de uma pessoa mais simples, que violámos a dignidade de outros para exaltar a nossa. Nesses momentos, atingindo o irmão mais fraco, esbofeteámos o próprio Deus, seu defensor.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]