Inteligência artificial: As perguntas a que não saberá responder

Razões para Acreditar 24 maio 2018  •  Tempo de Leitura: 4

Teremos de fazer uma reflexão mais aprofundada sobre o impacto da tecnologia na forma da nossa humanidade, indo além de um espanto ingénuo promovido pela grande máquina do marketing. Também neste aspeto atravessamos um período de transição. Uma primeira etapa que funcionou até agora é a da coexistência, na qual as máquinas substituem algumas atividades humanas, mas num regime de subordinação. O objetivo da tecnologia ainda é avaliado, nesta fase, como instrumental.

 

Mas estamos prestes a entrar numa nova era, na qual os dispositivos tecnológicos tornar-se-ão tendencialmente "objetos de companhia", da mesma forma que dominamos os animais domésticos, "de companhia", implicando com isso um determinado grau afetivo de relação e uma prática habitual de convivência e cuidado. Hoje, por exemplo, temos afeição pelos animais domésticos. Mas cães e gatos também são companheiros exigentes: têm as expressões e necessidades orgânicas dos seres vivos, são, como nós, sujeitos à imprevisibilidade de uma existência contingente, não podemos deixá-los ir, abandoná-los ou esquecê-los. Hoje começamos a olhar para os robôs como companheiros mais fáceis, que oferecem todas as vantagens dos "animais de estimação" e outras, mas sem o custo vital que lhes é associado.

 

A propaganda da próxima pandemia tecnológica sustenta que as máquinas são um antídoto para o isolamento e a solidão, de eficácia garantida. Noutro campo, há escolas de medicina nas quais se propõe, com frequência crescente, substituir os diagnósticos feitos por especialistas pelos feitos por máquinas, dado que a margem de erro desses resultados é menor. Até agora acreditámos que a relação entre médico e doente fazia parte do processo de tratamento. O médico que fala connosco é mortal como nós e isso contribui para gerar uma empatia totalmente singular. Mas... e se as máquinas fossem melhores?

 

 

A opinião predominante quer que muitas das resistências atuais sejam ultrapassadas e que estaremos cada vez mais dispostos a substituir as relações tradicionais por novas interfaces tecnológicas. A própria dimensão afetiva deixará de constituir um obstáculo, à medida que os vínculos emocionais, os afetos e os sentimentos se reforçarem. Se hoje um adolescente pode dizer «eu amo o meu computador porque me faz entrar em contacto com os meus amigos», dentro de pouco tempo dirá «eu amo o meu computador porque é o meu melhor amigo».

 

A quantos asseguram que os computadores poderão ter uma centralidade acentuada nos processos tipicamente humanos, é todavia necessário recordar aquilo que um computador não pode fazer. No lugar do médico pode estar uma máquina? Um juiz chegará a ser substituído por um computador? Para compreender a mistura de factores e de razões de um ser humano requer-se um discernimento humano. Se fosse meramente automático, não seria humano. E um computador pode ser artista? Saberá imitar os grandes mestres, sem dúvida, mas não conseguirá antecipar o que na história da música foi Beethoven ou o que Picasso representou na história da arte.

 

Poderá alguma vez um computador substituir o encontro com outro ser humano? O que terá a ensinar sobre escolhas livres, a gratuidade, a prudência ou o perdão? Como poderemos fazer uma pergunta e sermos escutados, até naquela dor submersa que nem sequer chega a expressar-se em palavras? Podemos confiar que o computador seja sensível à força da nossa fragilidade? Poder-se-ão programar, graças a ele, as virtudes ou um itinerário de busca espiritual? Que resposta darão ao mal esses dispositivos, e à morte? Se a nossa escatologia for apenas um futuro melhorado pelos computadores, não haverá mais nada que nos possa faltar?

 

[José Tolentino Mendonça | In Avvenire]

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